A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – II.F

F – Os Gentios

Finalmente, como os gentios se encaixam nisto tudo? Isto é, os comentários de Jesus têm relevância para judeus somente, ou eles têm relevância para os gentios procurantes também, incluindo os gentios de nossos dias?

Apesar de até agora neste ensaio eu ter focado inteiramente nas afirmações de Jesus no Evangelho de João enquanto eles são relacionados ao povo judeu (porque parece claro do contexto de suas afirmações que era este o próprio foco de Jesus quando as estava fazendo), é igualmente claro que o próprio Jesus intencionava uma secundária, mais abrangente aplicação aos gentios. Nós vemos isto em João 10:16, onde após ter discutido sua vinda para as ovelhas de Israel, Jesus acrescenta:

Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco; a essas também me importa conduzir, e elas ouvirão a minha voz; e haverá um rebanho e um pastor.

Dado o pano de fundo para as notas de Jesus (veja a discussão nas seções B e C acima), o pasto em questão era claramente Israel, a quem Jesus veio como o Messias-Pastor prometido para chamar as ovelhas fiéis do rebanho de Deus. As outras ovelhas que não são deste pasto, então, poderiam referir-se aos gentios, fora do pasto de Israel. Esta visão é apoiada pelas palavras de João no capítulo seguinte, onde, comantando a asserção de Caifás de que “convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça a nação toda” (11:50), o apóstolo diz: “Ora, ele não disse isso por si mesmo; mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela nação, e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus que estão dispersos” (11:51-52). Aqui, os “filhos de Deus que estão dispersos” são diretamente contrastados com a nação judaica, sugerindo como em 10:16 que os gentios estavam em vista. Significantemente, estes gentios são chamados “filhos de Deus” em 11:52 e “ovelhas de Cristo” em 10:16, ambos os termos que já vimos em nossa precedente discussão referentes àqueles que cumprem as condições suficientes para vir à fé em Cristo. Adicionalmente, a afirmação de Jesus em 10:16 que estas ovelhas gentias também ouviriam sua voz, indicando que ele, assim como as ovelhas judias descritas nas seções anteriores, certamente reconheceriam-non como o Messias-Pastor e segui-lo em fé. A clara implicação de tudo isso é que existiam gentios tementes a Deus também, que, como os fiéis judeus preparados, responderam favoravelmente à graça preveniente de Deus e que, portanto, pertenciam a Deus e seriam dirigidos para a fé no Filho. O Messias-Pastor veio, então, não apenas para ajuntar as ovelhas fiéis de Israel, mas para ajuntar os fiéis entre os gentios também e fazê-los todos um rebanho, um corpo, leal a ele como Messias-Pastor (cf. Ef 2:11-22, 3:6). (Note o foco paralelo em ambos 10:16 e 11:52 sobre o objetivo de unificar o rebanho/povo de Deus; cf. 17:20-21. Veja também Isaías 56:8, que em seu contexto guarda forte semelhança com João 10:16.)

Alguém poderia propor uma interpretação estreitada de João 10:16 para o efeito que Jesus quis se referir somente àqueles gentios que tinham formalmente se convertido ao judaísmo. Tais gentios são mencionados por exemplo em Atos 13:16,26, que anota a abordagem de Paulo à sinagoga judaica em Antioquia da Pisídia. “Então Paulo se levantou e, pedindo silêncio com a mão, disse: Varões israelitas, e os que temeis a Deus, ouvi: […] Irmãos, filhos da estirpe de Abraão, e os que dentre vós temeis a Deus, a nós é enviada a palavra desta salvação”. Os gentios a que Paulo se referia na sinagoga num dia normal de Sabbath, e portanto eram presumivelmente gentios que acompanhavam regularmente e tinham formalmente se afiliado à fé judaica. Esta suposição é confirmada pelo verso 43, onde nos é dito que após a abordagem de Paulo, “E, despedida a sinagoga, muitos judeus e prosélitos devotos seguiram a Paulo e Barnabé, os quais, falando-lhes, os exortavam a perseverarem na graça de Deus”.

Porém, é improvável que Jesus intencionasse em Jo 10:16 referir-se somente aos prosélitos gentios dentro do judaísmo. Por um lado, é difícil ver por que tais convertidos seriam considerados “não deste pasto [judaico]” (10:16), quando o ponto todo da conversão para o judaísmo era tal que alguém poderia a partir disto ser considerado membro da comunidade da aliança judaica (Is 56:3-8). Além disso, depois na mesma abordagem da visita de Paulo e Barnabé à sinagoga de Antioquia de Pisídia descrita acima (Atos 13), havia evidência que gentios não-prosélitos foram preparados para a mensagem do Evangelho de uma maneira semelhante àquela que nós temos visto antes que era verídica para judeus preparados. No Sabbath seguinte após a primeira apresentação na sinagoga, “No sábado seguinte reuniu-se quase toda a cidade para ouvir a palavra de Deus” [incluindo obviamente muitos gentios não-prosélitos] reunidos para ouvir a palavra do Senhor (verso 44). Porém, “Mas os judeus, vendo as multidões, encheram-se de inveja” e começaram a se opor ao que Paulo falava (verso 45). Considere cuidadosamente o que aconteceu depois:

[46] Então Paulo e Barnabé, falando ousadamente, disseram: Era mister que a vós se pregasse em primeiro lugar a palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos viramos para os gentios;
[47] porque assim nos ordenou o Senhor: Eu te pus para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até os confins da terra.
[48] Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna.

De especial interesse é a descrição de Lucas dos gentios não-prosélitos que vieram à fé em Cristo. No verso 48 é dito deles que eles foram “destinados à vida eterna”. Calvinistas têm geralmente usado este verso para apoiar a doutrina da eleição incondicional particular para salvação. Porém, como Robert Shank argumenta em uma excelente discussão deste verso (Elect in the Son: A Study of the Doctrine of Election, Minneapolis, MN: Bethany House, 1970, 1989, pp. 183-187), o verbo grego tetagmenoi (masculino, plural, nominativo, perfeito, particípio passivo/médio de tasso, ‘colocar em ordem’) não especifica um agente neste verso, então é uma questão aberta se é Deus ou as pessoas em si que (ou alguma combinação de ambos) que causou estes gentios a serem ‘postos em ordem’ ou dispostos à vida eterna. Como Shank nota (seguindo diversos outros comentaristas), o fato de ser dito dos judeus no verso 46 terem rejeitado o Evangelho e portanto não se considerarem (ou julgarem) a si mesmos dignos da vida eterna (um paralelo negativo com o verso 48b) “fortemente mitiga contra qualquer suposição de agência divina no verso 48) (Shank, ibid., p. 184). Isto é, o paralelo contrastivo entre os versos 46b e 48b sugere que foram os gentios responsivos que se posicionaram em ordem [tetagmenoi] para a vida eterna na base de sua receptividade às palavras de Paulo e Barnabás, assim como os judeus descrentes se dispuseram a si mesmos contra receber a vida eterna por causa de sua resistência à mesma mensagem.

Além disto, Shank astutamente observa:

Todos aqueles que assumem que tetagmenoi em Atos 13:48 implica que aqueles que creram no Evangelho naquele momento e lugar particular o fizeram como a consequência de um decreto eterno de eleição incondicional particular adotam impensadamente uma segunda suposição, completamente absurda: todos os presentes na sinagoga que tenham crido no Evangelho, o fizeram de uma vez só; não houve oportunidade posterior de cogitar o Evangelho, e nenhum homem que falhou em crer naquele momento poderia jamais subsequentemente crer” (Shank, ibid., p. 187).

É claramente melhor, então, ver estes gentios que receberam o Evangelho com alegria em Antioquia de Pisídia naquele dia como gentios que se prepararam a fim de receber vida eterna mediante sua própria disposição para arrependimento e sendo receptivos à palavra de Deus. Neste sentido eles eram semelhantes aos judeus preparados que discutimos nas seções anteriores deste ensaio. Eles responderam favoravelmente à graça preveniente de Deus e netse sentido foram “dispostos”, “postos em ordem”, ou [uma tradução marginal] “apontados” para a vida eterna.

Outro exemplo de um gentio que qualificaríamos como uma das ovelhas de Cristo, preparada de antemão para a chegada de Cristo mediante receptividade voluntária à graça preveniente de Deus, é Cornélio em Atos 10. Em 10:1-2 Cornélio é descrito como um gentio de Cesareia, um “centurião da coorte chamada italiana”, que junto com sua família (ou pelo menos um de seus domésticos; veja o verso 7), era “piedoso e temente a Deus”. Nós somos informados que Cornélio generosamente ajudava os necessitados e orava a Deus regularmente. Em uma visão Cornélio foi informado por um anjo que “…As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memória diante de Deus” (verso 4). Claramente ele era um homem que fora receptivo à graça preveniente de Deus em direção a ele e que em consequência permaneceu, em algum sentido significativo, no favor de Deus. O próprio apóstolo Pedro disse isto quando viu a devoção de Cornélio após ter chegado à casa deste último em obediência a uma visão de Deus. “Então Pedro, tomando a palavra, disse: Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo” (At 10:34-35). A aceitação por Deus de Cornélio parece ter precedido a fé de Cornélio em Cristo, pois esta aceitação parece ter sido baseado na reverência e devoção expressas mediante as orações e esmolas de Cornélio, atos que foram recebidos como uma oferta memorial ao Senhor antes do tempo que Cornélio ouviu o evengelho de Pedro. Neste sentido, Cornélio paraleliza o caso dos judeus tementes a Deus que eram fiéis à aliança e portanti pertenciam a Deus antes da vinda de Jesus. Como eles, Cornélio foi receptivo à graça preveniente de Deus e portanto estava a postos e pronto para reconhecer Jesus como Messias e Salvador.

Estou eu dizendo que Cornélio iria para o Céu se tivesse morrido antes da vinda de Pedro? A resposta a esta questão depende, penso eu, da relação de Cornélio com a aliança como ela foi revelada ao povo judeu no Antigo Testamento. É possível que ele fosse familiar com a aliança e de forma privada, se não formal e publicamente, tenha se submetido ao termos daquela aliança, a saber, arrependimento e fé obediente em Deus e nas suas promessas, incluindo a promessa de Deus em enviar o Messias-Pastor. Neste caso, sua aceitação por Deus pode ter envolvido uma dispensação da graça salvífica paralela àquela dada aos judeus fiéis debaixo dos termos da aliança. Por outro lado, pode ser que, apesar de sua devoção, Cornélio ainda fosse considerado um gentio não-prosélito e um “estrangeiro às alianças da promessa”, portanto “separado da comunidade de Israel” e “sem esperança, e sem Deus no mundo” (Efésios 2:12). O que é claro é que Cornélio foi receptivo à graça preveniente, e por causa desta receptividade lhe foi concedido adicional graça preveniente e a oportunidade de receber a mensagem de salvação mediante Jesus Cristo. Isto mais uma vez demonstra o princípio descoberto acima, de que Cristo é a única meta do Pai na dispensação da graça preveniente. Deus não estaria contente em deixar Cornélio na ignorância de Cristo, dada a dramática receptividade de Cornélio à graça preveniente. Nesta nova era na qual o Messias chegou e trabalhou a redenção para toda a humanidade, não existe “terceira opção” para gentios mais do que existe “terceira opção” para judeus. Deus não permite que nenhum gentio que é receptivo à graça preveniente continuar em seu favor sem ser direcionado à fé consciente intencional em Cristo. Como com o povo judeu, qualquer gentio que continua aberto à verdade revelada de Deus (i.e. como revelada mediante a criação, a consciência, e a revelação verbal) ultimamente será direcionado por Deus a Cristo, pois Deus não tem outra intenção além de todos na terra e no céu sejam trazidos juntos sobre uma cabeça, Cristo (Ef 1:10).

A consideração acima sobre gentios tementes a Deus, então, leva-nos a afirmar o que é uma visão bem comum nas igrejas evangélicas acerca daqueles que nunca ouviram o Evangelho. Colocando esta visão nos termos nos quais ela é majoritariamente expressa, Deua dá mais luz àqueles que respondem à luz já dada. Arminius essencialmente mantinha esta posição, como visto na seguinte citação na qual ele aborda a situação daqueles que jamais ouviram o evangelho:

… Enquanto eles são destituídos do conhecimento de Cristo, mesmo assim Deus não deixou a Si Mesmo sem testemunha, mas mesmo durante este período ele revelou a eles alguma verdade concernente a Seu poder e bondade; cujos benefícios se eles tivessem usado corretamente, pelo menos de acordo com sua consciência, Ele teria lhes concedido maior graça; de acordo com a tal, ‘Ao que se tem se dará’ [Mateus 13:12] … ‘Todos os homens sao chamados com algum chamado’, a saber, por aquele testemunho de Deus pelo qual eles podem ser trazidos a encontrar Deus sentindo-O, e por aquela verdade que eles mantém, ou detém, em injustiça, isto é, cujo efeito eles guardam em si mesmos; e por aquela escrita da lei em suas mentes, de acordo com a qual eles têm seus próprios pensamentos acusando-os. Mas esta chamada, apesar de não ser salvífica, dao que da tal salvação não pode ser imediatamente obtida, pode ainda ser dita antecedente à graça salvífica pela qual Cristo é ofertado, e se corretamente usada, adquirirá aquela graça da misericórdia de Deus. (“Examination of Perkin’s Pamphlet,” The Works of James Arminius, London Ed., Vol. 3, trans. William Nichols, Grand Rapids, MI: Baker Books, 1986, pp. 483-484, ênfase acrescida)

Nós vemos esta verdade dramaticamente demonstrada no caso de Cornélio. Deus foi bem longe a fim de trazer o Evangelho a Cornélio, que devido à sua favorável resposta à graça preveniente de Deus pode ser considerado uma das ovelhas de Cristo afora do pasto de Israel. Uma vez exposto ao evangelho de Jesus, Cornélio continuou a responder em fé e foi apropriadamente recolhido a ajuntar-se ao restante do rebanho do Messias-Pastor, judeus e gentios de igual forma, que reconhecera a voz do Pastor e o seguira. Cornélio foi dado pelo Pai para o Filho, porque Cornélio persistiu nesta resposta-em-fé à verdade revelada de Deus. O mesmo presumivelmente é verdadeiro hoje em dia para judeus e gentios da mesma forma: Todos que são receptivos à graça preveniente de Deus e que persistem nesta resposta-em-fé terão concedidas mais graça preveniente, levando-os ultimamente à fé deliberada em Jesus, o Messias-Pastor.

A noção de persistência na resposta em fé é importante, pois nenhum dos comentários de Jesus sobre o assunto implica que a graça de Deus sequer se torne irresistível. Ainda que Jesus dissera que “todo aquele que o Pai me dá virá a mim” (Jo 6:37), esta afirmativa supõe que aqueles assim dados estão naquele tempo em um estado de receptividade à verdade revelada de Deus. Em lugar nenhum das de nenhuma passagens exploradas anteriormente encontramos alguma dica que uma pessoa que está resistindo à graça de Deus possa simultaneamente ser recipiente das ações salvíficas de Deus. Nem existe qualquer indicação que uma vez que uma pessoa comece a se alinhar com a verdade e responde favoravelmente à graça preveniente de Deus (portanto pertencendo a Deus neste sentido) ela irá necessária e irresistivelmente continuar a assim agir. As passagens que temos acima explorado apenas ensinam que se uma pessoa pertence a Deus (i.e. mediante receptividade à graça preveniente), Deus ativamente interferirá para direcioná-lo à fé intencional em Cristo. Estas passagens de e por si mesmas não excluem a possibilidade que uma pessoa que era em um certo momento receptiva à graça preveniente possa subsequentemente começar a resistir a tal graça, caso no qual ele não mais pertenceria a Deus e nem cumpriria as condições suficientes para vir à fé em Cristo. Deus neste caso não estaria obrigado a dirigi-lo a Cristo[6].

A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – II.E

E. São Todos Dados para o Filho: A Meta da Graça Preveniente

A discussão acima levanta um importante conjunto de questões. Lembre-se que estabelecemos antes de um exame das palavras de Jesus no Evangelho de João (vide Seção A) que aqueles que pertencem ao Pai são do mesmo conjunto que aqueles considerados como as ovelhas de Cristo, todas as quais são dadas pelo Pai para o Filho e que portanto achegam a Cristo em fé (6:37). Se, como argumentado nas seções precedentes, as ovelhas de Cristo que pertencem a Deus (Jo 8:47, 10:26) se referem especificamente àqueles israelitas que tinham respondido favoravelmente à graça preveniente de Deus e estavam portanto em um relacionamento correto de aliança com Deus nos tempos da aparição de Jesus para Israel, como devemos agora interpretar as condições suficiente acompanhantes de Jesus que o Pai dá todos dos mesmos arrependidos a Jesus (Jo 6:37, 17:2,6,9,24)? Em que sentido eles são dados? E por que isto é verdadeiro para todos eles?

A resposta para estas questões toca no próprio âmago do relacionamento entre o Pai, o Filho e aqueles que pertencem a Deus. Após a chegada de Jesus em Israel, era necessário que estes que foram fiéis à aliança anterior à apresentação de Jesus para Israel agora fizessem a transição para a nova era anunciada pela chegada do Messias-Pastor. Porque estes judeus preparados continuamente eram receptivos à graça preveniente resistível de Deus (o “trazer” e o “conceder” de Deus; Jo 6:44,65), estes mesmos poderiam agora ser levados por Deus para fé em Cristo, não porque tal chamado à fé em Cristo é irresistível, mas precisamente porque os corações destes judeus preparados já estavam num estado receptivo. Eles já haviam feito a escolha livre de estar ao lado da verdade (18:37) e de se render em arrependimento e lealdade a Deus. Consequentemente, Deus poderia, pela obra interior do Santo Espírito em seus corações, dirigir todos os seus fiéis que já lhe pertenciam para abraçar Jesus, o Messias-Pastor, como novo ponto-focal de sua fé e lealdade. Mediante as obras que Jesus falou (que eram as palavras do próprio Pai; veja acima) e a obra do Santo Espírito em seus corações, Deus assegurou que estes judeus receptivos que Jesus e fato foi enviado pelo Pai como ele afirmava, confirmando em seus corações a identidade messiânica de Jesus como o verdadeiro pastor e direcionando-os à fé nele. Estes filhos de Deus debaixo da Antiga Aliança não propuseram resistência final em seus corações quando Deus os dirigiu ao Filho desta forma, pois seus corações estavam já abertos à verdade revelada de Deus. Eles não precisaram ser determinados ou compelidos a aceitá-lo. Eles vieram livremente ao Filho.

É completamente esperado que Deus os dirigiria a Jesus desta forma, dada a natureza do relacionamento entre o Pai e o Filho como apresentada no Evangelho de João. Este relacionamento é um dos principais temas (senão o maior)de todo o livro. Talvez será útil tomar um momento e considerar a relacionamento mais cuidadosamente aqui. Como dantes notado, Jesus repetidamente identifica-se como aquele que foi enviado ou que veio do Pai (1:9,14; 3:2,13,17,19,31,34; 4:25-26,34; 5:23-24,36,38,43; 6:29,32-33,44,46,51,57,62; 7:16,18,28-29,33; 8:14,16,18,23,26,29,38,42; 9:4; 10:36; 11:27,42; 12:44-46,49; 13:3,20; 15:21; 16:5,28,30; 17:8,18,21,23,25; 20:21; cf. também 9:16, 29; 19:9). De forma semelhante, Jesus disse que quando ele deixasse este mundo retornaria ao Pai (13:1, 3; 14:2, 12, 28; 16:5, 10, 17, 28; 17:11, 13; 20:17). Em tudo que ele fez, Jesus desejou fazer não agindo de si mesmo, mas em vez disso debaixo da específica direção e aprovação do Pai (5:24,37; 6:27; 7:18). Portanto, as obras de Jesus eram as obras do Pai e Jesus fez apenas o que o Pai lhe mostrou para fazer (5:17,19; 8:28-29; 9:4; 10:25,32,37-38; 14:10). Semelhantemente, as palavras de Jesus eram as do Pai, e Jesus falava apenas o que o Pai lhe dissera para dizer (3:34; 7:16; 8:26,28,40; 12:49-50; 14:10,24; 15:15; 17:7-8,14). Em todas as coisas Jesus foi completamente dependente do Pai (5:30; 6:57; 8:28, 42; 17:7), e Jesus sempre buscou agradar o Pai fazendo a sua vontade (5:30; 6:38; 8:29,55; 10:18b; 14:31; 15:10; 18:11). Desta forma Jesus sempre trabalhou para a honra do Pai (7:18, 8:49).

As ações de Jesus acerca disso não se desenvolve meramente a partir de uma escolha funcional de sua parte, porém (apesar de que claramente tal escolha funcional estava envolvida), mas de uma unidade ontológica mais profunda entre ele e o Pai. O Evangelho de João abre com uma profunda afirmação de unidade (1:1-2), e a unicidade do Pai e do Filho é um tema recorrente ao longo do livro (8:29; 10:30,38; 12:44; 14:10-11,20; 16:32; 17:11,21-23). Por causa dessa unidade, apenas o Filho pode ser dito ter verdadeiramente visto e conhecido o Pai (6:46; 7:29; 8:38,55; 10:15; 17:25), e apenas o Filho revela a verdadeira natureza do Pai (1:18; 12:45; 14:9; 17:26). Não apenas o Filho divide o nome do Pai (17:11-12), mas o Filho pode ser dito ser igual com Deus e de fato ser o próprio Deus (1:1-2,18; 5:18). O Pai tanto glorifica o Filho quanto é glorificado pelo Filho (8:54; 11:4; 13:31-32; 14:13; 17:22,24; cf. também 8:50). Tudo que pertence ao Pai pertence ao Filho, e tudo que pertence ao Filho pertence ao Pai (16:15, 17:10). O Pai ama o Filho, e o Filho ama o Pai (3:35; 10:17; 14:31; 15:9-10; 17:23-24,26). O Pai e o Filho mutuamente residem no crente (14:23). Adicionalmente, o Pai coloca todas as coisas sob poder do Filho (13:3), incluindo poder de levantar pessoas da morte (5:21,26). Semelhantemente, o Pai concedeu ao Filho autoridade sobre todas as pessoas (17:2) e confiara todo julgamento ao Filho (5:22,27,30).

Em todas estas formas, nós vemos um relacionamento íntimo mútuo entre Jesus, o Filho, e Deus, seu Pai. Crucialmente, este relacionamento se estende para o caminho que pessoas vêm para conhecer Deus. Jesus afirmou, “Eu sou o caminho, a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” {Jo 14:6 AR}. De acordo, deve-se honrar o Filho a fim de verdadeiramente honrar o Pai (5:23). A resposta a Jesus reflete ultimamente a resposta para Deus também, seja esta resposta conhecê-lo e aceitá-lo, ou odiá-lo (8:19, 13:20, 14:7, 15:23-24, 16:3). O Pai, de sua parte, promete amar todos os que amam seu Filho (14:21,23; 16:27).

Era precisamente esta união íntima entre o Filho e o Pai que foi questionada pelos líderes judeus e por muitos do povo judeu (veja p.ex. 7:25-52). Isto é especialmente significativo quando relembramos o significado histórico da aparição de Jesus a Israel: Jesus foi o Messias-Pastor prometido que veio para ajuntar as ovelhas de Israel e pastoreá-las em justiça, retidão, e paz. E ainda, em seu surgimento, os próprios líderes, de quem era esperado que fossem os sub-pastores para aquele povo, rejeitaram-no como o Messias (e.g. 7:47-49). Isto levantou uma importante dúvida nas mentes de muitos dos outros judeus: A rejeição de Jesus por parte dos líderes indica que ele, de fato, não foi enviado por Deus para pastorear o rebanho de Israel? Talvez a rejeição de Jesus por parte dos fariseus e escribas, de quem o povo normalmente teria considerado autoritativo em tais assuntos religiosos, indicava que Jesus não possuía, afinal, o relacionamento íntimo com Deus que ele alegava.

Jesus contra-respondeu estas dúvidas provendo uma explicação para a descrença dos líderes judeus (e a descrença de muitas das pessoas comuns também), a saber, que eles falharam em cumprir as condições necessárias e/ou suficientes para vir à fé nele (i.e. as condições que temos considerado neste ensaio). Estas condições, em certo sentido, são o recíproco do princípio supracitado de João 14:6, pois não apenas é Jesus o único caminho para o Pai, mas o Pai é o único caminho para Jesus. Esta é a essência das várias condições para vir à fé em Cristo expressas no evangelho de João. A não ser que se seja trazido e habilitado pelo Pai, não se pode vir a Jesus (as condições necessárias), e se alguém pertence a Deus como ovelha de Cristo e ouviu e aprendeu do Pai, então este certamente será “dado” pelo Pai para Cristo (as condições suficientes). Em cada caso, uma pessoa virá à fé em Cristo mediante a agência do Pai, portanto refletindo a união íntima do Pai e Filho.

Deve não ser surpreendente, portanto, que todos os judeus que pertenciam ao Pai seriam “dados” pelo Pai para o Filho. O relacionamento íntimo entre o Pai e o Filho obrigava que fosse desta forma. Não existia “terceira opção” disponível pela qual aqueles fiéis debaixo da aliança como foi revelada no Antigo Testamento de alguma forma poderiam continuar em favor com Deus mas falham em aceitar Jesus como Messias-Pastor de Israel. Uma vez que o Filho de Deus apareceu, não poderia haver relacionamento com o Pai sem um relacionamento com o Filho também, porque o Pai e o Filho eram um (10:30,38; 12:44; 14:10-11,20; 17:11,21-23) e compartilham todas as coisas em comum (16:15, 17:10). Se uma pessoa verdadeiramente buscou Deus, então ela aceitaria o testemunho do Pai acerca de seu Filho (5:37; 8:18). Não se pode ser um verdadeiro seguidor do Pai sem ser seguidor de Jesus (cf. At 3:23).

Podemos considerar as tentativas dos judeus resistentes de alegar Abraão e então Deus como seus pais como sendo uma tentativa de buscar uma “terceira via” (8:33,39,41). Eles buscavam obter um relacionamento com Deus sem ter que aceitar um relacionamento com Jesus. Jesus enfaticamente rejeitou sua tentativa de burlá-lo desta forma, argumentando que sua rejeição dele traía sua alegação que eles eram eles eram filhos de Abraão e de Deus. Os verdadeiros filhos de Abraão, como Abraão, teriam regozijado por terem visto o dia de Jesus (8:56), o dia da chegada do Messias prometido, pois Abraão foi homem de verdadeira fé e o pai de todos os que têm fé (Romanos 4:16-17). Os filhos de Deus, igualmente, teriam amado Jesus da mesma forma que o próprio Deus ama Jesus (3:35; 8:42; 10:17; 15:9; 17:23-26). O fato que estes judeus estarem indispostos a adotar os ensinos de Jesus (verso 31) ou amá-lo (verso 42) mostrou, então, que eles nem antes e nem naquele momento estavam entre os filhos de Deus (i.e. entre os que pertenciam a Deus).

As observações acima trazem uma importante lição teológica acerca da intenção de deus em sua dispensação da graça preveniente. As asserções de Jesus de que todos os judeus preparados sem falha seriam direcionados por Deus para receber Jesus como seu esperado Messias-Pastor (i.e. eles foram dados pelo Pai; 6:37, 10:29, 17:2,6,9,24) nos mostram que o Pai não tem outra meta final em sua dispensação da graça preveniente que a meta de levar o fiel até seu Filho. Mais sucintamente:

Cristo é a única meta do Pai na dispensação da graça preveniente.[4]

Deus não tem outra alternativa para os judeus fiéis. Todo e qualquer um que respondeu à oferta divina de graça preveniente foi direcionado por Deus para Cristo, precisamente porque o Pai e o Filho existem em íntima união, e o Filho é a culminação e pináculo do plano redentivo do Pai para a humanidade (Ef 1:9-10). Não podia haver resíduo do fiel que de alguma maneira desprezasse Cristo, pois Deus não permitiria tal resultado. Ele ativamente intervém para levar a Cristo todos os receptivos que pertencem a ele. Não existe “terceira opção”.

A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – II.D

D. As características dos Judeus Preparados e a Natureza da Graça Preveniente

Encontramos confirmação adicional da perspectiva acima a partir das várias descrições no Evangelho de João daqueles que estavam dispostos a vir a Cristo, aquelas pessoas que identifiquei acima como os judeus que foram preparados mediante arrependimento e fé em Deus para a chegada de Jesus como Messias-Pastor. Por exemplo, Jesus diz em 7:17, “Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, há de saber se a doutrina é dele, ou se eu falo por mim mesmo”. Esta afirmação sugere que submissão voluntária à vontade de Deus Pai é condição para reconhecer Jesus como o Messias. Este era precisamente o estado dos judeus tementes a Deus descritos nas seções precedentes. De maneira semelhante, a discussão de Jesus em 9:37-39 sugere que um requisito para aqueles que viriam à fé nele foi que eles reconheceram sua própria cegueira espiritual e culpa. Novamente isto reflete o arrependimento que era característico dos judeus que estavam preparados para o Messias.

Diversas outras características deste grupo podem ser inferidas de várias das declarações de Jesus feitas para o contrastante grupo de judeus descrentes do evangelho de João. As palavras de Jesus em 5:44 implicam que, em contraste com os judeus descrentes, os fiéis procuravam o louvor que vem de Deus. Semelhantemente, das palavras de Jesus em 8:42 podemos inferir que os judeus tementes a Deus foram preparados para amar Jesus porque eles vieram de Deus. Finalmente, de 8:44 podemos inferir que este mesmo grupo desejava levar a cabo o desejo de Deus seu pai, em contraste com os judeus resistentes, que desejavam levar a cabo a vontade do diabo. Estas várias características postas juntas indicam que os judeus “preparados” foram marcados por uma atitude de deliberado arrependimento, submissão, e um desejo de realizar a vontade de Deus. Ademais, podemos inferir do contexto que estas características precediam e motivavam a fé dos judeus receptivos em Jesus como o Messias-Pastor.

Provavelmente a característica dos judeus receptivos que é mais comumente expressa no Evangelho de João, porém, é que eles estavam abertos e receptivos à verdade que Deus havia revelado a eles. João 6:45 estabelece o tom neste assunto, “todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim”. Aqueles verdadeiramente receptivos à instrução do Pai reconheciam Jesus como Messias e vinham a ele em fé. Mas de que forma o Pai lhes instruía? Claramente, uma maneira era mediante as próprias palavras de Jesus, que repetidamente enfatizou que ele falava apenas as palavras que o Pai lhe tinha dado para falar (3:34, 7:16, 8:26,28,40, 12:49-50, 14:10,24, 15:15, 17:7-8,14). Portanto, Jesus podia dizer daqueles que o Pai lhe dera que “eu lhes dei as palavras que tu me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste”(17:8; cf. também 8:37,43,47).

Jesus indicou outra fonte de instrução do Pai em 5:46-47: “Pois se crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim ele escreveu. Mas, se não credes nos escritos, como crereis nas minhas palavras?” Deus revelou verdade mediante a boca de Moisés no Antigo Testamento, incluindo verdade acerca do vindouro Messias. Os comentários de Jesus nesta passagem implicam que tais judeus que em fé aceitaram as palavras de Moisés e reverenciaram deus como ele foi revelado na Lei Mosaica certamente aceitariam Jesus como Messias (ao contrário dos líderes judeus para quem Jesus estava falando nessa passagem). Neste sentido, a afirmação “Pois se crêsseis em Moisés, creríeis em mim” paraleliza diretamente 8:47b, parafraseado como, “Se fôsseis de meu Pai, creríeis em mim”. Isto é, aqueles judeus que verdadeiramente aceitaram as palavras de Deus portanto pertenciam a Deus e satisfaziam a condição suficiente para vir a Cristo. Aqueles receptivos à Palavra de Deus mediante Moisés seriam receptivos à palavra de Deus revelada mediante Jesus.

Semelhantemente, quando os judeus abordados por Jesus alegaram Abraão como seu pai, Jesus respondeu “Se sois filhos de Abraão, fazei as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-me, a mim que vos falei a verdade que de Deus ouvi; isso Abraão não fez”(8:39b-40). As palavras de Jesus aqui implicam que aqueles judeus que eram verdadeiramente da fé de seu pai Abraão (cf. Rm 4:16) e aqueles que estavam abertos à verdade de Deus (verso 40) reconheceriam a validade do testemunho de Jesus e o aceitariam como Messias, bem como Abraão exultou-se pelo pensamento de ver o dia de Jesus e alegrou-se (8:56).

Duas outras importantes passagens mostram que a abertura à verdade revelada de Deus era uma característica daqueles que cumpriam as condições para vir à fé em Cristo. A primeira é João 3:21, na qual Jesus estabeleceu que aquele que vem à luz (no contexto claramente se referindo à fé em Cristo) é aquele que vive pela verdade (3:21). Então novamente em 18:37 Jesus diz a Pilatos que “todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. Nestes casos, receptividade e lealdade à verdade claramente marcam aqueles que aceitarão Jesus como Messias-Pastor.

Esta última característica em particular (i.e. receptividade à verdade revelada) destaca o fato que muito do que estamos lidando nestas passagens pode ser visto como a resposta dos judeus tementes a Deus à graça preveniente. Relembre que graça preveniente pode ser definida como a graça de Deus estendida a uma pessoa anterior à salvação para o propósito de promover um arrependimento e fé autenticamente livres, mediante o qual a pessoa em questão pode então definitivamente se tornar um recipiente da graça salvífica. Muito comumente, graça preveniente é feita da divina revelação da verdade à pessoa, junto com a habilidade divinamente conferida de responder em fé à tal verdade se a pessoa assim escolher. Graça preveniente, como arminianos a entendem (e, como eu creio, a Bíblia apresenta) é resistível; isto é, o recipiente da graça preveniente tem a habilidade conferida por Deus de ou livremente aceitar ou livremente rejeitá-la (“livremente” no sentido de liberdade autêntica contra-causal; veja meu ensaio “Reflexões Filosóficas sobre Livre Arbítrio” para mais discussão). Se uma pessoa aceita a graça preveniente dada a ela, então Deus dá mais graça preveniente ou mesmo graça salvífica, como apropriado (dependendo da natureza e extensão da graça preveniente já recebida). Se uma pessoa rejeita a graça preveniente dada a ela, ela corre o risco de não lhe ser oferecida mais graça (veja a discussão sobre endurecimento em “Eleição em Romanos Capítulo Nove”). Eu notei anteriormente que arminianos tendem a identificar o trazer e habilitar de João 6:44,65 com o conceito teológico de graça preveniente. Quando Deus traz ou habilita uma pessoa a exercer fé em Cristo, estre trazer/habilitar é resistível.Esta é a própria razão que estas ações divinas particulares são apresentadas como condições necessárias pelo apóstolo João em vez de como condições suficientes para vir à fé em Cristo (veja discussão anterior).[2]

Os judeus preparados discutidos nessa e nas seções precedentes, portanto, podem ser compreendidos como aqueles judeus que responderam favoravelmente à graça preveniente estendida a eles por Deus debaixo da aliança como revelada no Antigo Testamento (para uma discussão da natureza da graça especial de Deus para Israel, veja meu ensaio “Eleição em Romanos Capítulo Nove”). Neste sentido eles tinham, em contraste com o restante dos israelitas, de seu próprio livre arbítrio (não debaixo de limitação de qualquer vontade determinativa de Deus) ouvido e aprendido do Pai (6:45), e por conseguinte se tornaram recipientes de uma forma de graça salvífica debaixo dos termos da aliança como ela fora revelada naquele tempo. De acordo, eles então desfrutaram a situação de pertencer a Deus como seu povo fiel, filhos e ovelhas (no sentido explorado na Seção B acima). Isto incluiu aqueles judeus que voltaram para Deus em genuíno arrependimento debaixo do ministério de João o Batista, aquele enviado para preparar o caminho do Senhor (Mateus 3:3).

A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – II.C

C– Transição entre o Antigo e o Novo

Isto nos leva à transição entre o Antigo e o Novo Testamentos. Temos visto no breve estudo das passagens do Antigo Testamento que o povo e as ovelhas de Deus no Antigo Testamento eram o israelitas, e num sentido ainda mais restritivo aqueles israelitas que eram fiéis aos termos da aliança de Deus com eles. Estes eram os arrependidos que temiam o Senhor e o serviam; eles pertenciam a Deus como sua preciosa possessão (Ml 3:17). Eles seriam os membros do rebanho de Deus, a quem Deus os purificaria e curaria do desvio debaixo do reino do rei e pastor, aquele chamado pelo nome de Davi (Ez 37:22-24).

É neste fluxo de antecipação histórica que Jesus caminhou como o tão esperado Messias, aquele que iria mais uma vez tomar o trono de Davi e governar o povo de Deus (Is 9:6-7). Bem como o anjo anunciou a José, Jesus salvaria seu povo de seus pecados (Mt 1:21). Igualmente, o pai de João o Batista, Zacarias, profetizou sobre Jesus: “Bendito, seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e remiu o seu povo, e para nós fez surgir uma salvação poderosa na casa de Davi, seu servo;”{Lucas 1:68-69}. De seu próprio filho, Zacarias profetizou: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás ante a face do Senhor, a preparar os seus caminhos; para dar ao seu povo conhecimento da salvação, na remissão dos seus pecados”{Lucas 1:76-77}. Não apenas Zacarias mas outros também entenderam que o ministério de Jesus tinha seu foco nos judeus como povo de Deus, como visto pela sua reação aos milagres de Jesus: “ O medo se apoderou de todos, e glorificavam a Deus, dizendo: Um grande profeta se levantou entre nós; e: Deus visitou o seu povo. ”{Lucas 7:16}. O próprio Jesus parecia ter tomado tal visão também. No começo de seu ministério Jesus enviou seus discípulos a pregar às ovelhas perdidas de Israel a mensagem do reino de Deus que se aproximava (Mt 10:26). Semelhantemente, sua primeira resposta à mulher cananita procurando sua assistência foi que ele só havia sido enviado para as ovelhas perdidas de Israel (Mt 15:24). Apesar de isto não acarretar que Jesus não estava preocupado ou não tinha missão para os gentios (veja discussão acerca dos gentios abaixo), isto de fato indica que a missão primária de Jesus naquele tempo era cumprir as promessas de Deus a Israel feitas mediante os patriarcas e profetas (Lc 1:70-75; cf. At 3:26, Rm 1:16,2:9)

A identidade de Jesus como o Pastor de Israel é adicionalmente confirmada pela aplicação da profecia de Miqueias ao nascimento de Jesus em Mateus 2:6. Nas palavras de Miqueias,

Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.
Portanto os entregará até o tempo em que a que está de parto tiver dado à luz; então o resto de seus irmãos voltará aos filhos de Israel.
E ele permanecerá, e apascentará o povo na força do Senhor, na excelência do nome do Senhor seu Deus; e eles permanecerão, porque agora ele será grande até os fins da terra. {Miquéias 5:2-4, cf. Mateus 2:6}

Este é o contexto próprio para entender as afirmações de Jesus no capítulo dez de João. Fazemos um sério erro se abstrairmos as palavras de Jesus fora do fluxo da expectativa escatológica judaica no qual elas foram articuladas. Quando Jesus declara que ele é o bom pastor (10:11) que entra pala porta do aprisco (10:1-2) e chama suas ovelhas pelo nome e as conduz para fora (10:3), ele estava declarando que era o esperado Messias-Pastor anunciado no Antigo Testamento que viria para o rebanho de Israel a fim de trazer purificação e paz àquelas ovelhas (i.e. aos judeus) que são arrependidos e tementes a Deus (veja discussão de jeremias capítulo três e passagens correlatas na Seção B acima). As ovelhas que ouvem e reconhecem sua voz, e portanto o seguem (versos 4,5,14) são justamente aqueles israelitas que já estavam numa correta relação de aliança com Deus e portanto pertencem a Deus como suas ovelhas, povo e possessão preciosa no sentido restritivo discutido na seção B acima. Eles receberam Jesus como o Messias-Pastor (i.e. eles ouviam, reconheciam seguiam Jesus) precisamente porque seus corações já estavam preparados mediante arrependimento e fé em Deus de acordo com os termos da aliança como revelado no Antigo Testamento). Aquelas ovelhas que pertenciam a Deus (e portanto pertenciam a Cristo; cf. Jo 16:15) permanecem em contraste com todas as outras ovelhas no pasto de Israel que não pertenciam a Deus e que portanto não estavam abertos a receber Jesus como Messias-Pastor. (Mantenha em mente que na cultura daquele tempo mais de um rebanho poderia ser mantido num mesmo pasto. cada pastor entraria para guiar apenas as suas próprias ovelhas para pastorear. Compare a entrada de João 10:3-4 no The Bible Knowledge Commentary, Editors, John F. Walvoord & Roy B. Zuck, Wheaton, IL: Victor Books, 1983-1985).

O ministério de João o Batista foi significante neste quesito. Note cuidadosamente o propósito do ministério de João como expresso pelo anjo Gabriel ao pai de João, Zacarias:

converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus; irá adiante dele no espírito e poder de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência dos justos, a fim de preparar para o Senhor um povo apercebido.
{Lucas 1:16-17}

João o Batista veio com este expresso propósito: intensificar as ordenações daqueles em Israel que seriam preparados mediante arrependimento para aceitar seu Messias-Pastor quando ele aparecesse. Foi neste sentido que o batismo de arrependimento de João  (Mc 1:4, Lc 3:3, At 19:4) foi intencionado a fim de endireitar o caminho do Senhor (John 1:23; cf. Is 40:3; Mt 3:3, Mc 1:2-3, Lc 3:4-5,7:27). O ministério de João foi intencionado a trazer tantos israelitas quanto possível de volta para o correto relacionamento de aliança com Deus antes de Cristo aparecer. O caminho de retorno para este relacionamento direito (antes da vinda de Cristo) era mediante arrependimento e fé debaixo dos termos da aliança dado como ela foi revelada no Antigo Testamento. Somente depois que eles se arrependeram seus corações seriam restaurados e em ponto de receber o Cristo que Deus estava por enviar ao seu meio. Os resultados desta função preparatória do ministério de João são refletidos na resposta ao ensino de Jesus descrito em Lucas capítulo sete:

E todo o povo que o ouviu, e até os publicanos, reconheceram a justiça de Deus, recebendo o batismo de João. Mas os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho de Deus quando a si mesmos, não sendo batizados por ele.
{Lucas 7:29-30}

O batismo de arrependimento de João preparava os corações de todos que o aceitavam para reconhecerem a verdade do ensino de Jesus, aumentando portanto o número daqueles que reconheceriam a voz de Jesus como o Messias-Pastor e estariam dispostos a segui-lo.

A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – II.B

B – Pano de Fundo do Antigo Testamento

Quando olhamos no Antigo Testamento, encontramos uma resposta surpreendentemente clara para a questão “Quem pertence a Deus?”: a nação de Israel.  Existem múltiplas referências no Antigo Testamento para o povo judeu como sendo o povo próprio de Deus, seus escolhidos que lhe pertencem. A seguinte lista é representativa mas não necessariamente exaustiva:

Êxodo 3:7,10; 5:1; 6:7; 7:4,16; 8:1,20-23; 9:1,13,17; 10:3-4; 18:1; 22:25; 32:14;
Levítico 25:55; 26:12;
Deuteronômio 14:1-2; 26:18-19; 29:13; 32:9;
Rute 1:6;
1Samuel 2:29; 9:16-17; 12:22; 13:14; 15:1;
2Samuel 3:18; 5:2, 12; 7:7-8, 10-11;
1Reis 6:13; 8:16; 56, 59, 66, 14:17; 16:2;
2Reis 20:5;
1Crônicas 11:2; 14:2; 17:6-7, 9-10; 22:18; 23:25;
2Crônicas 1:11; 2:11; 6:5-6; 7:10, 13-14; 31:8, 10; 35:3; 36:15-16, 23;
Esdras 1:3;
Salmos 50:4, 7; 53:6; 78:20, 62, 71; 81:8, 11, 13; 85:2, 6, 8; 105:24-25, 43; 106:40; 111:6, 9; 116:14, 18; 125:2; 135:12,14; 136:16; 148:14;
Isaías 1:3; 3:12, 14-15; 5:13, 25; 10:2, 24; 11:11, 16; 14:32; 28:5; 30:26; 40:1; 43:1, 20-22; 44:5; 47:6; 49:13; 51:4, 16, 22; 52:4-6, 9, 14; 58:1; 63:8, 11, 14, 18; 65:9-10, 19, 22;
Jeremias 2:11, 13, 31-32; 4:11, 22; 5:26, 31; 6:14, 27; 7:12, 23; 8:7, 11; 9:7; 11:4; 12:14, 16; 15:7; 18:15; 23:2, 13, 22, 27, 32; 24:7; 30:3, 22; 31:1, 14, 33; 32:38; 33:24; 50:6; 51:45;
Ezequiel 13:9-10; 14:8-9, 11; 25:14; 33:31; 34:30; 36:8, 12, 28; 37:12-13, 18, 23, 27; 38:14, 16; 39:7; 44:23; 45:8-9;
Oseias 4:6, 8, 12; 6:11; 11:7; Joel 2:17-18, 26-27; 3:2-3, 16;
Amós 7:8, 15; 8:2; 9:10, 14;
Obadias 13;
Miqueias 2:8-9; 6:2-5;
Sofonias 2:8-9.

Semelhantemente em muitos locais ao longo do Antigo Testamento o povo judeu é chamado filho de Deus. Novamente, esta lista é apenas representativa:

Êxodo 4:22-23;
Deuteronômio 1:31; 8:5; 14:1-2; 32:19-20;
Isaías 1:2-4; 45:11; 63:8, 16; 64:8;
Jeremias 31:9,20;
Oseias 1:10; 11:1,10;
Malaquias 1:6 (cf. Romanos 9:4).

Assim, quando Deus levou os judeus para fora do Egito, sua palavra a Faraó foi “Deixe ir o meu povo” (Ex 5:1). Quando Deus entregou a lei a Moisés, ele proclamou: “Porque os filhos de Israel são meus servos; eles são os meus servos que tirei da terra do Egito. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 25:55). Deus prometeu aos israelitas: “Andarei no meio de vós, e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo.”(Lv 26:16). Semelhantemente, Moisés exortou os israelitas: “Filhos sois do Senhor vosso Deus; não vos cortareis a vós mesmos, nem abrireis calva entre vossos olhos por causa de algum morto.” (Dt 14:1). E na profecia de Isaías, o profeta fala para o povo judeu que enquanto eles clamam a Deus em arrependimento: “[8] Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai; nós somos o barro, e tu o nosso oleiro; e todos nós obra das tuas mãos. [9] Não te agastes tanto, ó Senhor, nem perpetuamente te lembres da iniquidade; olha, pois, nós te pedimos, todos nós somos o teu povo.”(Is 64:8-9).

Além disso, em numerosos lugares do Antigo Testamento a nação de Israel é comparada a um rebanho de ovelhas (1Rs 22:17, 2Cr 18:16), pastoreadas pelos líderes que Deus colocava diante deles (Nm 27:17, 2Sm 5:2, 1Cr 11:2, Sl 78:71-72, 2Sm 7:7, 1Cr 17:6) ou pelo próprio Deus (Sl 23, 28:9, 74:1-2, 78:52, 79:13, 80:1, 95:7, 100:3; Is 40:11; Jr 3:15, 23:1-6; Ez 34:2; Mq 7:14; Zc 10:3). Portanto, Israel pode dizer a Deus, ” Assim nós, teu povo ovelhas de teu pasto, te louvaremos eternamente; de geração em geração publicaremos os teus louvores. “(Sl 79:13). Deus é chamado o Pastor de Israel, que guia José como rebanho (Sl 80:1). Geralmente os judeus são comparados a um rebanho que foi arruinado pelos inimigos, dissipados entre as nações (uma alusão ao cativeiro, tanto físico quanto espiritual), e necessitando da proteção e cuidado de Deus. Estes inimigos poderiam ser tanto de dentro (se líderes corruptos ou o próprio povo em rebelião, como em Ez 34, Is 56:10-12, e Jr  3, 10:21, 23:1-3, 50:6; Zc 10:2-3), ou de fora (como as nações que assolaram Israel; Sl 74,79 (veja Sl 79:13); cf. Is 3:12-15 para ideias semelhantes acerca do povo de Deus). Deus repetidamente prometeu reunir novamente seu rebanho dissipado, seu povo, referindo-se não somente à restauração física da nação do cativeiro, mas também à restauração espiritual debaixo do vindouro Messias, que seria um novo Davi que viria pastorear o povo de Deus (Is 11:10-12; Jr 3:14-19, 23:1-6, 31:10, 32:38; Ez 11:18-21,34:2,37:21-28; Mq 2:12; Zc 8:7-8).

No Antigo Testamento, portanto, é o povo judeu, a nação de Israel, que é considerada o povo de Deus, o rebanho de Deus. Agora a questão é, esta observação pode nos ajudar a entender melhor o significado intencionado por Jesus quando ele afirma que aqueles que pertencem a Deus como filhos de Deus, e quem são as ovelhas de Cristo, que virão a ele em fé? Em uma primeira consideração, não parece ser que, especialmente quando notamos que os israelitas foram algumas vezes chamados povo de Deus mesmo em seus mais rebeldes momentos (p.ex. Sl 106:40; Is 1:2-4, 5:25, 58:1-2; Jr 2:11-13, 4:22; Ez 33:31). Faz pouco sentido dizer que Jesus intencionava que todos os judeus, mesmo aqueles em meio à rebelião, viriam a ele em fé. De fato, Jesus emite as assertivas em questão (p.ex. Jo 8:47, 10:26) para explicar exatamente o resultado oposto, o fato que muitos dos judeus estravam rejeitando-o como Messias e recusando-se a aceitar seu ensino (Jo 5:40).

Existe outro sentido, mais restritivo, dado para “povo” e “rebanho” de Deus no Antigo Testamento, porém, que faz perfeito sentido quando aplicado às afirmações de Jesus no Evangelho de João. (Eu explicarei na próxima seção como este encaixe pode ser feito; nesta seção eu simplesmente introduzirei o sentido restritivo dos termos em questão e estabelecerei sua ocorrência no Antigo Testamento). A noção que tenho em mente é que o povo (filhos, rebanho)  de Deus são aqueles num reto relacionamento em aliança com ele. Eles são os fiéis, obedientes, arrependidos, que responderam à verdade revelada de Deus e mantém os termos da aliança. Vemos este sentido implicado naquelas passagens que contrastam o povo de Deus com os malignos (p.ex. Sl 125; Is 57:14-21, 65:9-12; Ez 11:19-21, 14:7-8,11) e naquelas passagens que caracterizam o povo de Deus como os piedosos que o temiam (p.ex. Sl 103:13, 148:14, 149:4-5, 65:10; Jr 24:7, 31:33; Ez 36:28; 37:21-28; Zc 13:9). É este sentido mais restritivo do que significa ser o povo de Deus que emerge em Os 1:9, quando Deus proclama aos israelitas impios dos dias de Oseias, “E o Senhor disse: Põe-lhe o nome de Lo-Ami; porque vós não sois meu povo, nem sou eu vosso Deus”. Semelhantemente, em referência às casas desesperadamente infiéis de Israel e Judá, Deus declara em Jeremias 5:10-11 que elas não eram do Senhor. Vemos este sentido do termo, também, quando a identidade dos judeus como povo de Deus é explicitamente ligada à sua boa vontade em serem obedientes à aliança, como em Jr 7:23: ” Mas isto lhes ordenei: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; andai em todo o caminho que eu vos mandar, para que vos vá bem”(também Jr 11:2-5, Lv  26:3-12). Semelhantemente, em Ex 19:5-6 Deus diz aos israelitas:

[5] Agora, pois, se atentamente ouvirdes a minha voz e guardardes o meu pacto, então sereis a minha possessão peculiar dentre todos os povos, porque minha é toda a terra;
[6] e vós sereis para mim reino sacerdotal e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel. {Êxodo 19:5-6}

Note que sua condição como possessão peculiar e reino sacerdotal e nação santa é contingente à obediência e desejo de manter a aliança de Deus. Que esta posição especial de ser a possessão peculiar é equivalente a ser seu povo é confirmado em Deuteronômio 26:18-19, no qual os dois termos são justapostos:

[18] Outrossim, o Senhor hoje te declarou que lhe serás por seu próprio povo, como te tem dito, e que deverás guardar todos os seus mandamentos;
[19] para assim te exaltar em honra, em fama e em glória sobre todas as nações que criou; e para que sejas um povo santo ao Senhor teu Deus, como ele disse.
{Deuteronômio 26:18-19; cf. 7:6 e 14:2}.

Novamente em Malaquias 3:16-18 vemos que apenas aqueles israelitas que eram fiéis à aliança eram considerados como pertencendo a Deus neste sentido mais estrito. Em resposta às repreensões de Israel sobre o pecado generalizado da nação, somos informados:

[16]Então aqueles que temiam ao Senhor falavam uns aos outros; e o Senhor atentou e ouviu, e um memorial foi escrito diante dele, para os que temiam ao Senhor, e para os que se lembravam do seu nome.
[17]E eles serão meus, diz o Senhor dos exércitos, minha possessão particular naquele dia que prepararei; poupá-los-ei, como um homem poupa a seu filho, que o serve.
[18]Então vereis outra vez a diferença entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus, e o que o não serve. {Malaquias 3:16-18}

Nesta passagem são apenas os israelitas justos, que serviam a Deus e que temiam e honravam seu nome, eram considerados sua possessão particular. Eles são contrastados com os israelitas impios que não responderam em arrependimento à repreensão divina transmitida por Malaquias.

A mesma espécie de distinção entre aqueles israelitas fiéis à aliança e aqueles infiéis pode ser vista no Antigo Testamento acerca dos israelitas como ovelhas de Deus. Relembre-se que Deus prometeu reunir seu rebanho/povo novamente de todas as nações para as quais eles foram espalhados (Is 11:10-12; Jr 3:14-19, 23:1-6, 31:10, 32:38; Ez 11:18-21, 34:2, 37:21-28; Mq 2:12; Zc 8:7-8).

Um elemento central dessas passagens é a promessa de Deus em enviar novos pastores para cuidar de seu rebanho, em particular, o pastor-rei que seria chamado pelo nome de Davi, o Cristo. Como Deus dissera mediante o profeta em Jeremias capítulo 23:

[3] E eu mesmo recolherei o resto das minhas ovelhas de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; e frutificarão, e se multiplicarão.
[4] E levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e nunca mais temerão, nem se assombrarão, e nem uma delas faltará, diz o Senhor.
[5] Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e procederá sabiamente, executando o juízo e a justiça na terra.
[6] Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e este é o nome de que será chamado: O SENHOR JUSTIÇA NOSSA.
{Jeremias 23:3-6}

Semelhantemente, em Ezequiel capítulo 37:

[21] Dize-lhes pois: Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu tomarei os filhos de Israel dentre as nações para onde eles foram, e os congregarei de todos os lados, e os introduzirei na sua terra;
[22] e deles farei uma nação na terra, nos montes de Israel, e um rei será rei de todos eles; e nunca mais serão duas nações, nem de maneira alguma se dividirão para o futuro em dois reinos;
[23] nem se contaminarão mais com os seus ídolos, nem com as suas abominações, nem com qualquer uma das suas transgressões; mas eu os livrarei de todas as suas apostasias com que pecaram, e os purificarei. Assim eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus.
[24] Também meu servo Davi reinará sobre eles, e todos eles terão um pastor só; andarão nos meus juízos, e guardarão os meus estatutos, e os observarão.
[25] Ainda habitarão na terra que dei a meu servo Jacó, na qual habitaram vossos pais; nela habitarão, eles e seus filhos, e os filhos de seus filhos, para sempre; e Davi, meu servo, será seu príncipe eternamente.
[26] Farei com eles um pacto de paz, que será um pacto perpétuo. E os estabelecerei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles para sempre.
[27] Meu tabernáculo permanecerá com eles; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
[28] E as nações saberão que eu sou o Senhor que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre.
{Ezequiel 37:21-28}

Crucialmente, porém, as ações de Deus acerca disso são contingentes ao arrependimento de Israel e disposição para retornar a Deus, como vemos em Jeremias capítulo três:

[12] Vai, pois, e apregoa estas palavras para a banda do norte, e diz: Volta, ó pérfida Israel, diz o Senhor. Não olharei em era para ti; porque misericordioso sou, diz o Senhor, e não conservarei para sempre a minha ira.
[13] Somente reconhece a tua iniquidade: que contra o Senhor teu Deus transgrediste, e estendeste os teus favores para os estranhos debaixo de toda árvore frondosa, e não deste ouvidos à minha voz, diz o Senhor.
[14] Voltai, ó filhos pérfidos, diz o Senhor; porque eu sou como esposo para vós; e vos tomarei, a um de uma cidade, e a dois de uma família; e vos levarei a Sião;
[15] e vos darei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com ciência e com inteligência.
[19] Pensei como te poria entre os filhos, e te daria a terra desejável, a mais formosa herança das nações. Também pensei que me chamarias meu Pai, e que de mim não te desviarias.
[20] Deveras, como a mulher se aparta aleivosamente do seu marido, assim aleivosamente te houveste comigo, ó casa de Israel, diz o Senhor.
[22] Voltai, ó filhos infiéis, eu curarei a vossa infidelidade. Responderam eles: Eis-nos aqui, vimos a ti, porque tu és o Senhor nosso Deus.
{Jeremias 3:12-15, 19-20, 22}

Deus afirmou aos israelitas que ele os reuniria novamente em Sião (verso 14), lhes daria novos pastores (verso 15), lhes trataria como filhos (verso 19), e lhes curaria a infidelidade (verso 22) apenas se reconhecessem sua culpa (verso 13) e retornassem a ele em fidelidade (versos 12, 14, 22). Sua participação individual nestas bênçãos era claramente contingente à sua boa disposição em arrepender-se. A mesma contingência é vista no Salmo 95:7f onde os israelitas, o povo do pasto de Deus, o rebanho que ele conduz (verso 7), foi exortado a não endurecer o coração pois nenhuma ovelha desobediente poderia adentrar o descanso de Deus (versos 8-11). Traduzindo em termos usados nas passagens já citadas acima, ovelhas infiéis deste tipo seriam incapazes de participar das bênçãos, purificação e paz que Deus desejou trazer com a vinda dos novos pastores, em particular, o Cristo.

Traduções Crédulas: A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – II.A

Parte II – Quem Pode Vir à Fé Em Cristo?

A. As Condições Suficientes no Evangelho de João: Observações Preliminares

Vamos começar reconsiderando as condições suficientes para vir à fé que são apresentadas por Jesus no Evangelho de João. As condições suficientes para vir à fé em Cristo são apresentadas por Jesus no Evangelho de João. As condições suficientes para vir à fé em Cristo apresentadas no Evangelho de João ocorrem em quatro passagens principais  6:25-70, 8:12-59, 9:40-10:21, e 17:1-26. Cada uma das três primeiras passagens descreve uma confrontação (ou série de confrontações) entre Jesus e os judeus, muitos dos quais eram resistentes ao Seu ensino (conf. 6:26,36,41-42,52,66; 8:13,33,37,40,45,48-49,52,59; 9:40; 10:20). Tais conversações entre Jesus e os judeus formam a espinha dorsal dos primeiros doze capítulos do Evangelho de João que precedem o Discurso do Cenáculo (contendo a quarta passagem em questão, 17:1-26, a Oração Sacerdotal) e os eventos da Paixão de Jesus. A principal questão recorrente no desenrolar do livro, especialmente nos primeiros doze capítulos, concerne a identidade de Jesus. Quem Ele é? É o Cristo – o Messias – ou outro alguém? A persistente repetição de Jesus ao longo disto é que Ele é, de fato, o prometido Messias que viria ou seria enviado pelo Pai no Céu (1:9,14; 3:2,13,17,19,31,34; 4:25-26,34; 5:23-24,36,38,43; 6:29,32-33,44,46,51,57,62; 7:16,18,28-29,33; 8:14,16,18,23,26,29,38,42; 9:4; 10:36; 11:27,42; 12:44-46,49; 13:3,20; 15:21; 16:5,28,30; 17:8,18,21,23,25; 20:21). A assertiva de Jesus é posta em contraste com as dúvidas sobre Ele expressas por muito de Israel, em especial os líderes religiosos. De fato, muitas das pessoas comuns ao que parece observavam os líderes para esclarecimento neste assunto, se impressionando que os líderes tenham concluído que Jesus era o Cristo (7:25-26). Muitos dos líderes, porém, foram insistentes em seu desejo de não dar qualquer aparência de terem aceito as assertivas de Jesus (7:47-49; 9:27-29; 19:15; conf. tb. 9:16).

É no contexto destes diálogos com os judeus que Jesus apresentou as condições suficientes e necessárias para vir em fé a Ele como uma maneira de explicar o contraste entre aquele que aceitavam e seguiam Ele como o Messias e aqueles que se recusavam a tal. Considere primeiro as palavras de Jesus aos judeus de que “Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus; portanto vós não as ouvis porque não sois de Deus” (8:47). Como discutido acima, este é um dos versos críticos nos quais Jesus afirma uma condição suficiente para ter fé nEle, a saber, “pertencer a Deus”. Como tal, a afirmação de Jesus aqui paraleliza suas palavras em 10:26 de que “Mas vós não credes, porque não sois de minhas ovelhas[…]”. Cada um deses versos apresenta uma condição de identidade em quem pode vir à fé em Jesus, a saber, aqueles que são filhos de Deus (isto é, “pertencem a Deus”) e aqueles que são ovelhas de Cristo. Em cada caso, apenas aqueles que satisfazem a dada identidade participam do resultado final, a saber, “ouvir as palavras de Deus” (8:47) ou “crer” (10:26). O forte paralelismo entre estes versos sugere que a palavra “ouvir” em 8:47 tem significado igualado a “crer” em 10:26. Quer dizer, “ouvir” não se refere simplesmente à sua percepção ou entendimento das palavras de Jesus, mas a ouvir no sentido de receber e crer nas Suas palavras.

Porém, mesmo isto não é o suficiente, porque o contexto de 8:47 nos informa que os judeus os quais Jesus declarou nesta passagem que não podiam “ouvi-Lo” já haviam de fato “posto sua fé nEle” e “crido nEle” (8:30-31). Devemos concluir que a “fé” e “crença” deles era em algum sentido deficiente e não se igualava a terem verdadeiramente “ouvido” Jesus. Este paradoxo se clareia enquanto seguimos a passagem: quando Jesus desafiou estes mesmos judeus a demonstrarem a validade da sua fé “aderindo” ao seu ensino e então provando que de fato eram seus discípulos (verso 31), com o resultado de que eles “conheceriam a verdade” e seriam libertos (verso 32), eles começaram a resistir à autoridade de Jesus e insistiram que eles sempre foram livres filhos de Abraão (verso 33) e em último caso, filhos de Deus (verso 41). Neste ponto Jesus disputou a alegação deles, argumentando que o seu latente desejo de matá-lo mostrava que a palavra de Jesus não tinha lugar neles (verso 37) e pertenciam a seu pai, o diabo (verso 44). Consequentemente eles eram incapazes de ouvir o que Jesus dizia (verso 43). Claramente, Jesus estava sugerindo nesta passagem que “ouvir” suas palavras é mais do que meramente exercer fé em um nível cognitivo como aqueles judeus aparentemente fizeram. Em vez disso, ouvi-lo é adotá-lo como com a mais profunda e leal fé de um discípulo, comprometer-se a verdadeiramente seguir Cristo em obediência e auto-renúncia (cf. Mt 16:24-25).

Retornado ao ponto original acima, a essência das assertivas de Jesus em 8:47 e 10:26 é que tal fé leal em Cristo (o “ouvir” descrito em 10:26) é impossível para aqueles que já não “pertencem” a Deus, que não são filhos de Deus em vez de filhos do diabo, e que não são ovelhas de Cristo. A satisfação de tais condições de identidade vem antes e é logicamente anterior à fé em Cristo, e não vice-versa.

Além disso, note que Jesus explicitamente associa estas condições de identidade com outra das condições suficientes para vir à fé em Cristo, a saber, ser dado pelo Pai para o Filho (6:37; 10:29; 17:1-2,6,9,24). Em 17:6 Jesus diz ” Eram teus, e tu os deste a mim”, e em 17:9 “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me tens dado, porque são teus”. Semelhantemente, Jesus disse que suas ovelhas lhe foram dadas pelo Pai (10:29a). Estas várias passagens paralelas sugerem fortemente que aqueles que pertencem ao Pai são do mesmo conjunto dos que são considerados ovelhas de Cristo, todos eles dados pelo Pai para o Filho e que portanto viriam a Cristo em fé (6:37).

A questão que naturalmente surge destas observações é “O que significa, então, no contexto destes versos, ser um filho de Deus, pertencer ao Pai, e ser uma das ovelhas de Cristo?”. Normalmente referimos a tais termos como se referindo aos crentes cristãos (e tal uso é vastamente atestado no Novo Testamento, como em Jo 1:12, Rm 8:14f; Gl 3:26), e ainda assim Jesus claramente usa estes termos nas passagens consideradas acima para referir-se a uma condição que precede a fé em Cristo, pois como ele fala em 8:37 e 10:26, é a ausência de tal condição que impede a emergência da fé em Cristo, não o contrário.

Calvinistas, como dantes notado, interpretam estes termos “pertencer” a Deus e ser uma das ovelhas de Cristo como se referindo aos eleitos (entendidos como um grupo definido incondicionalmente escolhido de indivíduos específicos) antes de (e seguido por) sua regeneração, chamada eficaz e vinda à fé. Creio que existe uma interpretação alternativa, porém, que faz melhor sentido à luz do contexto em que Jesus fez tais afirmações: Aqueles a quem Jesus se referia como pertencendo a Deus e sendo suas ovelhas estão entre aqueles da sua audiência judaica que voluntariamente viviam numa correta relação de aliança com Deus debaixo dos termos revelados no Antigo Testamento, e que estavam portanto preparados para receber o Messias prometido quando ele surgisse para a nação de Israel. A fim de fazer o caso para esta interpretação, será necessário aguardar um pouco e primeiro considerar o contexto histórico mais amplo para as observações de Jesus. Para tal vamos nos voltar para o Antigo Testamento.

Traduções Crédulas: A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – I.D

D. Plano do Presente Ensaio

Neste ensaio oferecerei uma análise mais direta e (espero) satisfatória das condições suficientes para vir à fé que são apresentadas por Jesus no Evangelho de João. Esta análise produzirá conclusões que apoiam totalmente o entendimento arminiano da interação homem-Deus na salvação, enquanto ao mesmo tempo reconhecendo as relações lógicas implicadas nas afirmações de Jesus das várias condições suficientes para fé (p.ex. ser de Deus é logicamente anterior ao exercício da fé em Cristo, não o contrário). É minha crença que as análises anteriores – tanto calvinistas quanto arminianas – das assertivas de Jesus no Evangelho de João falharam em dar atenção adequada ao contexto judaico no qual estas afirmações foram articuladas, e consequentemente forçaram as palavras de Jesus a se encaixarem em uma categoria teológica tardia e inadequada.

O pivô do meu argumento será que o conjunto de indivíduos que são ditos por Jesus como sendo de Deus, ovelhas de Cristo, ouvindo e aprendendo do Pai, e dados pelo Pai ao Filho, se referem não a um conjunto peremptoriamente determinado de pessoas eleitas como concebido na visão reformada calvinista, mas em vez disso primariamente aos filhos fiéis de Abraão que eram os filhos de Deus debaixo da aliança como revelada no Antigo Testamento, e que já estavam dantes preparadas para sua fé e arrependimento voluntários para abraçar o Messias prometido no tempo de sua tão esperada aparição à nação de Israel. Estes incluem os que Deus já preparara para arrependimento debaixo do ministério de João o Batista, que apontava para “preparar o caminho do Senhor” (Isaías 40:3; Mateus 3:3). Em um sentido secundário, o conjunto daqueles que são do Pai também inclui gentios tementes a Deus (p.ex. Cornelius, Atos 10:2), os quais foram receptivos à graça preveniente de Deus levando-os ao arrependimento e que o Pai agora os levava à fé em Cristo (João 10:16,11:52).

Na Parte II deste ensaio explorarei a evidência para o entendimento acima das condições suficientes para fé em Cristo apresentadas no Evangelho de João, evidência que eu creio ser extensiva e convincente. Começarei a seção A da Parte II com algumas considerações preliminares das passagens em questão a partir de seu contexto imediato no Evangelho de João, e então mover para a Seção B em um exame do contexto do Antigo Testamento que permeia os conceitos-chave usados por Jesus ao emoldurar as condições suficientes para vir à fé nEle. Na Seção C, considerarei como a transição entre o Antigo e Novo Testamentos deve figurar em uma interpretação apropriada das palavras de Jesus. A seguir, na Seção D, reconsiderarei em mais detalhes as características presentes no Evangelho de João daqueles que vêm à fé em Cristo, identificando aquelas características com a resposta humana à dispensação divina da graça preveniente. Na Seção E, reexaminarei a questão de o que significa ser dado pelo Pai ao Filho (como em 6:37), trazendo desta discussão uma percepção teológica importante na natureza da graça preveniente. Finalmente, na Seção F, abordarei a relevância destes conclusões para o relacionamento de Deus com os gentios, antes de sumarizar meus argumentos na Seção G.

Na última parte deste ensaio, Parte III, brevemente considerarei alguns das outras mais importantes passagens do Evangelho de João que têm sido indicadas por calvinistas em apoio à visão reformada calvinista de eleição e salvação. Concluirei que em nenhum destes casos a proposta evidência para o calvinismo é convincente. Finalmente na Parte IV eu brevemente sumarizarei e concluirei todo o ensaio.

Traduções Crédulas: A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – I.C

C. A Resposta Arminiana

Em contraste à resposta reformada calvinista de eleição e salvação no Evangelho de João rascunhada acima, aqueles que seguem a tradição liderada pelo reformador holandês Jacobus Arminius argumentam que a eleição divina é condicionada ao livre exercício da fé por parte do crente. Como se poderia esperar, as passagens do Evangelho de João citadas acima têm apresentado um desafio formidável à teologia arminiana. Para avaliar propriamente a significância deste desafio, é importante que dividamos primeiro as afirmativas condicionais encontradas nestas passagens em duas categorias principais.

Primeiro, há as condições necessárias para ser “habilitado” a vir a Cristo e ser “trazido” a Ele pelo Pai (6:44,65). Condições necessárias são assinaladas nas passagens acima pela estrutura gramatical “Ninguém pode …. exceto se …” (no grego, oudeis dunatai . . . ean me). Tais condições indicam o que necessariamente deve ocorrer antes do resultado em questão que se possa obter (o resultado aqui sendo a pessoa vir à fé em Cristo). Pela sua própria natureza, condições necessárias (em contraste com condições suficientes – veja abaixo) não implicam logicamente que toda pessoa que preencher as condições experimentará o resultado feito possível por tais condições. Quer dizer, afirmar que ninguém pode vir à fé em Cristo sem ser trazido ou habilitado pelo Pai não implica por si só que toda pessoa habilitada/trazida vem a Cristo, mas em vez disso apenas que todos os que vêm a Cristo necessariamente terão experimentado este trazer/capacitação.

Segundo, encontramos nas passagens acima as condições suficientes de ser dados a Jesus pelo Pai, de ouvir e aprender do Pai, pertencer de Deus (isto é, ser Seu filho, conforme o contraste com filhos do diabo em 8:44), e ser das ovelhas de Jesus (6:37, 45; 8:47; 10:26,29; 17:6,9,25). Condições suficientes são geralmente assinaladas por frases como “todo aquele que…” (6:45; grego pas ho…) ou “tudo que…” (6:37; grego pan ho…), indicando que toda pessoa sem exceção que preencher as condições relevantes experimentará o resultado implicado por tais condições. Este é claramente o caso acerca daqueles que o Pai dá a Jesus, e os que ouviram e aprenderam do Pai, todos os quais são ditos explicitamente virem à fé em Cristo (6:37,45). Também parece ser implicado das duas condições que poderíamos caracterizar como condições de identidade, a saber, aquelas de pertencer ou ser um filho do Pai, bem como ser uma ovelha de Cristo. Note que em 8:42 Jesus diz “Se Deus fosse vosso Pai, verdadeiramente me amaríeis” e em 8:47, “Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus”. Ambas as afirmativas sugerem que todos os que pertencem à família de Deus amarão Jesus e ouvirão (isto é, neste contexto, crerão) no que Deus diz acerca de Jesus. Semelhantemente, em 10:27 Jesus diz, “Minhas ovelhas ouvem minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem”. Novamente, esta afirmação implica que todos os identificados com as ovelhas de Jesus o ouvirão e seguirão quando ele entrar no pasto. Estas condições de pertencer à família de Deus e ser ovelha de Jesus, então, parecem cair na categoria de condições suficientes determinando aqueles que virão à fé em Cristo.

Qual é, então, a resposta arminiana a estes dois tipos de afirmativas condicionais apresentadas no Evangelho de João? Falando em geral, a existência de condições necessárias para vir à fé em Cristo iniciadas por Deus têm colocado menos desafio ao pensamento arminiano que as condições suficientes encontradas no Evangelho de João. Acerca daquelas, arminianos tradicionalmente têm explicado a necessidade do trazer e capacitação do Pai apelando para a noção de graça preveniente (lit. graça precedente ou antecipatória), que, para os presentes propósitos, pode ser caracterizada como a graça de Deus anterior à salvação (i.e., anterior à dispensação divina da graça salvífica, pela qual a pessoa é justificada e regenerada). Graça preveniente serve tanto para trazer uma pessoa à fé e arrependimento e habilitar tal pessoa a exercer tal fé e arrependimento, pela qual ela pode ser salva. Sem a ajuda da graça preveniente, arminianos têm tradicionalmente argumentado, é impossível para o homem natural, não regenerado, exercer uma autêntica decisão de fé em direção a Deus. Deste modo, arminianos podem abordar as afirmações de Jesus em João 6:44 e 6:65 (veja também 15:5) sem negar a autenticidade do livre arbítrio humano em escolher exercer ou não fé e arrependimento. Isto é, arminianos argumentam que nem todos que são trazidos/habilitados pelo Pai a exercer fé e arrependimento de fato em última análise escolhem fazê-lo (i.e. a graça preveniente é resistível), ainda que seja igualmente verdadeiro que sem tal trazer/capacitação nenhuma pessoa de si mesma terá o desejo ou capacidade de vir a Cristo em fé. Arminianos são capazes de adotar esta posição precisamente porque o trazer e capacitação do Pai são apresentados como condições necessárias, não suficientes, ao vir à fé em Cristo. Em contraste, as condições suficientes para vir à fé que são apresentadas no Evangelho de João, francamente, têm se provado intratáveis para os arminianos. Isto pode não ser algo que a maioria dos arminianos gostaria de admitir, é claro, mas me parece ser uma estimativa justa da situação corrente da teologia arminiana. Isto não quer dizer que não há tentativas de arminianos em lidar com as afirmações relevantes de Jesus no Evangelho de João. Porém, as tentativas das quais estou informado, apesar de suas muitas outras importantes contribuições ao assunto, me parecem atingir conclusões insatisfatórias quando chegam às condições suficientes colocadas por Jesus acerca de quem virá à fé nEle.

Grant Osborne (“Soteriology in the Gospel of John,” in The Grace of God and the Will of Man, ed. by Clark Pinnock, Minneapolis, MN: Bethany House, 1989, pp. 243-260), por exemplo, reconhece a ênfase na soberania divina em passagens como João 10:26, mas tenta balancear isto e chega em uma interpretação essencialmente arminiana dos escritos de João meramente apelando a muitas passagens do Evangelho de João que implicam um papel pivotal no exercício do livre arbítrio humano (p.ex. versos como 5:24 que enfatizam a oferta universal da salvação). Osborne conclui que nenhuma ênfase, seja da soberania divina ou da liberdade humana, é absoluta no Evangelho de João, mas que “o texto várias e várias vezes coloca soberania e decisão em fé juntas em uma unidade teológica sem tentar resolver o dilema. Ele assume o balanceamento sem defini-lo para o leitor” (pg. 256). Criticando o ensaio de Osborne, Yarbrough comenta corretamente, porém, que

“de um ponto de vista puramente lógico, eleição divina e livre arbítrio humano não podem se situar no mesmo nível, como Osborne crê que pode fazer, a não ser que estejamos contentes em encontrar ou uma antinomia (contradição aparente mas não necessariamente real) ou discrepância material (contradição tanto aparente quanto real) no centro do Evangelho de João.

Mas Osborne não opta por nenhuma destas posições. Então, enquanto ele mantém que a eleição divina e o livre arbítrio humano têm posições formais iguais, o último é definitivamente determinativo sobre o primeiro. O recurso prático de Osborne à primazia da vontade humana demonstra a dificuldade lógica de sua alegação formal e mina a viabilidade de seu argumento como um todo” (Robert Yarbrough, “Divine Election in the Gospel of John,” in Still Sovereign: Contemporary Perspectives on Election, Foreknowledge, and Grace, ed. by Thomas Schreiner & Bruce Ware, Grand Rapids, MI: Baker Books, 1995, 2000, p. 58)

Como Osborne, Robert Shank também tenta defender a posição arminiana balanceando as afirmações aparentemente pró-calvinismo de Jesus em João 8:47 e 10:26 com afirmações pró-arminianismo no Evangelho de João. Então, quando abordando a afirmação de Jesus em 8:47 (i.e. que os judeus não ouvem as palavras de Deus porque não são de Deus), em vez de tentar uma exegese da passagem crítica em questão, Shank meramente desvia a atenção do leitor para a possível informação qualificadora encontrada depois no capítulo: “Mas Jesus tratava sua perdição como sendo ainda contingente: ‘se não credes que eu sou, morrereis em vossos pecados’ (verso 24)” (Elect in the Son, Minneapolis, MN: Bethany House Publishers, 1970, 1989, p. 179). Semelhantemente, acerca da assertiva de Jesus em 10:26 que os judeus não criam porque não eram Suas ovelhas, Shank tenta contra-atacar o óbvio significado calvinista da afirmação de Jesus direcionando a atenção do leitor para outro ponto, desta vez para uma afirmação separada de Jesus encontrada depois no capítulo dez: “Que tal descrença não deriva de algum decreto eterno e irrevogável de Deus é evidente do fato que para os mesmos homens Jesus apela, ‘crede nas obras; para que conheçais que o Pai está em mim e eu nele” (verso 38) (ibid., p. 179).

Ainda que eu concorde com Shank que João 8:24, 10:38, e outros versos como este forneçam importante apoio para a visão arminiana que a salvação é contingente ao livre exercício da fé humana, o apelo de Shank a tais versos não nos ajuda por si só a resolver a aparente tensão entre estas passagens e as passagens que calvinistas comumente apelam (p.ex., 8:47; 10:26). Não é suficiente simplesmente tentar desviar a força de um conjunto de versos problemáticos dirigindo a atenção para um conjunto separado de versos mais aprazíveis. Se de fato viesse a questão de de quais versos contém a melhor evidência, calvinistas poderiam aparentar em face a isto terem um caso mais forte pela sua posição, dada a forte lógica nos versos tais como 8:47 e 10:26 implicando uma decisiva iniciativa divina na salvação. Bem como Yarbrough e outros calvinistas apontaram, a relação entre ser de Deus e vir à fé é certeira nestes verso: a primeira situa-se logicamente antes da segunda, não o contrário. Ser do Pai é condição suficiente para vir em fé ao Filho. Ademais, calvinistas podem prontamente responder aos apelos de Shank (e Osborne) indicando uma papel central da decisão humana em fé na salvação argumentando que fé como condição para salvação é em si mesma produto da iniciativa divina. Como Piper nota, “é verdade que somos incluídos ou excluídos da salvação pela condição de fé. Mas isto não explica como uma pessoa vem em fé e outra não” (John Piper, “Are There Two Wills in God?” in Still Sovereign: Contemporary Perspectives on Election, Foreknowledge, and Grace, ed. by Thomas Schreiner & Bruce Ware, Grand Rapids, MI: Baker Books, 1995, 2000, footnote 28, p. 122). Calvinistas argumentam que somente os eleitos vêm à fé em Cristo porque é apenas a eles que Deus providencia sua graça irresistível para gerar tal fé. As respostas de Shank e Osborne a João 8:47 e 10:26 não reconciliam adequadamente o todo do Evangelho de João de modo a prover uma alternativa viável a esta interpretação calvinista dos eventos.

Traduções Crédulas: A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – I.B

B. A Visão Reformada Calvinista da Eleição e Salvação em Relação ao Evangelho de João

Como aludido acima, o Evangelho de João é largamente percebido como contendo alguns dos mais fortes apoios encontrados na Escritura a favor da doutrina calvinista reformada da eleição incondicional particular para salvação e doutrinas correlatas de chamado eficaz e graça irresistível. Isto é porque o Evangelho de João contém muitas passagens que enfatizam fortemente a agência divina no processo de salvação individual, incluindo diversas passagens (p.ex. 8:47, 10:26) sugerindo que a fé individual em Cristo para salvação segue de – em vez de preceder – certas condições (por exemplo, “pertencer” a Deus como Seu filho; ser uma das “ovelhas” de Cristo). Calvinistas têm geralmente identificado tais condições prévias como com a noção reformada calvinista de uma eleição pré-temporal, incondicional, particular para salvação.

Por “eleição incondicional, particular para salvação” eu refiro ao ensino calvinista reformado que Deus tem, “de acordo com o mais livre bom prazer de Sua vontade, de simples graça, escolheu em Cristo para salvação um certo número de homens específicos” (Canons of Dort, I.7). Estes eleitos são “particular e imutavelmente designados, e seu número é tão certo e definido que nãopode ser aumentado ou diminuído” (Westminster
Confession of Faith, III.4). Na visão reformada calvinista, esta eleição divina não é baseada “em fator determinante algum oriundo da vontade humana” (John Murray, “The Plan of Salvation,” in Collected Writings of John Murray, Edinburgh: Banner of Truth, 1977, p. 127) e especificamente “não depende de forma alguma de fé prevista ou boas obras do homem … mas exclusivamente do bom e soberano prazer de Deus” (Louis Berkhof, Systematic Theology: New Edition, Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996, p. 115).

Os termos “chamada eficaz” e “graça irresistível” se referem ao ensino reformado calvinista de que “pela obra regeneradora do Santo Espírito, Deus Pai irresistivelmente invoca … o pecador eleito para união com, e adentrar o reino de, Seu Filho Jesus Cristo. Esta chamada é tornada eficaz pela obra regeneradora do Espírito de Deus Pai e Deus Filho nos corações dos eleitos” (Walter Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, Thomas Nelson Publishers, Nashville, 1998, p. 718, emphasis added). No ponto da regeneração e chamada eficaz, é importante entender que, na visão reformada calvinista, o recipiente da regeneração é “apesar de tudo, passivo nisto, até que, sendo regenerado e renovado pelo Santo Espírito, ele é por causa disto habilitado a responder a este chamado [eficaz], e abraçar a graça oferecida e comunicada” (Westminster Confession of Faith, X/ii). Até tal chamada eficaz ser liberada e a regeneração ocorrer, o pecador eleito é inteiramente averso e incapaz de realizar qualquer movimento positivo volicional em direção a Deus, incluindo movimentos em direção à fé (conforme as doutrinas da depravação e incapacidade total). Deve ser enfatizado que esta chamada eficaz e regeneração são ditas como se estendendo apenas aos eleitos (conforme o comentário acima de Reymonds).

Como já mencionado, calvinistas encontram amplo suporte aparente para as doutrinas acima no Evangelho de João. Apesar de calvinistas apontarem para vários elementos do livro em apoio de sua doutrina (os outros mais importantes eu abordarei na Parte III deste ensaio), a evidência mais convincente do ensino calvinista reformado no Evangelho de João vem de uma série de afirmações de Jesus a efeito de que todos os que vêm à fé em Cristo o fazem porque eles foram habilitados por Deus Pai e, ainda mais convincente, porque eles em algum sentido já pertenciam ao Pai antes de exercerem fé em Cristo.

Tudo o que o Pai me dá virá a mim; e ao que vem a mim, em maneira nenhuma o lançarei fora. {João 6:37 BLIVRE}

Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Escrito está nos profetas: E todos serão ensinados por Deus. Portanto todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu, esse vem a mim. {João 6:44-45 BLIVRE}

E dizia: Por isso tenho vos dito que ninguém pode vir a mim, se não lhe for concedido por meu Pai. {João 6:65 BLIVRE}

Por que não entendeis meu discurso? Porque não podeis ouvir minha palavra. Vós sois filhos de vosso pai, o Diabo, e quereis fazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o princípio, e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade; quando fala mentira, fala do seu próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira. […] Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus; portanto vós não as ouvis porque não sois de Deus. {João 8:43-44,47 BLIVRE}

Mas vós não credes, porque não sois de minhas ovelhas, como já vos tenho dito. Minhas ovelhas ouvem minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem. E eu lhes dou a vida eterna, e para sempre não perecerão, e ninguém as arrancará de minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior que todos; e ninguém pode arrancá-las da mão de meu Pai. {João 10:26-29 BLIVRE}

Jesus falou estas coisas, levantou seus olhos ao céu, e disse: Pai, chegada é a hora; glorifica a teu Filho, para que também teu Filho glorifique a ti. Assim como lhe deste poder sobre toda carne, para que a todos quantos lhe deste, lhes dê a vida eterna.[…] Manifestei teu nome aos seres humanos que me deste do mundo. Eles eram teus, e tu os deste a mim; e eles guardaram tua palavra.[…] Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas sim por aqueles que tu me deste, porque são teus. […] Pai, aqueles que tens me dado, quero que onde eu estiver, eles também estejam comigo; para que vejam minha glória, que tens me dado, pois tu me amaste desde antes da fundação do mundo. {João 17:1-2, 6, 9, 24 BLIVRE}

Mantendo em mente que Jesus em outros momentos no Evangelho de João iguala o vir a Ele com o crer nEle (6:35; note a estrutura paralela neste verso), é claro das passagens acima que existem condições estritas em quem de fato virá a Cristo em fé. Estas condições podem ser prontamente interpretadas como fornecendo suporte à contestação que são apenas os eleitos (igualados pelos calvinistas com o conjunto das “ovelhas” de Cristo, os que “são” do Pai e são “dados, trazidos, concedidos” a vir a Cristo) que recebem a graça irresistível e eficaz de Deus pela qual a fé salvífica é gerada neles.

Destas afirmações de Jesus colocando restrições em quem pode vir a Ele em fé, os dois que provavelmente oferecem o mais forte apoio aparente para o calvinismo são aqueles em 8:47, “[…]vós não as ouvis porque não sois de Deus” e 10:26, “Mas vós não credes, porque não sois de minhas ovelhas[…]”. Em seu ensaio “Divine Election in the Gospel of John”, Robert Yarbrough sumariza o valor destas afirmações para a visão reformada calvinista de eleição (in Still Sovereign: Contemporary Perspectives on Election, Foreknowledge, and Grace, ed. by Thomas Schreiner & Bruce Ware, Grand Rapids, MI: Baker Books, 1995, 2000, pp. 47-62):

[ref. 8:47] “De um ponto de vista que enfatiza a autonomia da vontade humana esta lógica é revertida; Jesus deveria ter dito: A razão pela qual vocês não pertencem a Deus é que vocês não ouvem e creem. Mas Jesus promove o tema, por ora bem estabelecido no Evangelho de João, que a resposta humana a Deus é devida em sua última origem à graça eletiva de Deus…”

[ref. 10:26] “Note que Jesus não diz “vocês não são minhas ovelhas porque não creem”. Sem dúvida isto é verdadeiro, mas não é o que Jesus diz. Ele fala de fato em um nível mais profundo que o superficial de aparente causa e efeito, onde a fé humana visível em Cristo resulta em ostensiva participação no corpo de Cristo. Jesus lida com o assunto de por que certos ouvintes falham em crer em primeiro lugar, não por que eles não são suas ovelhas. A resposta: eles falham em crer porque não são membros de Seu rebanho.”

A conclusão que Yarbrough traça destes versos e outras passagens que ele estuda no Evangelho de João é clara: “eleição divina assenta e traz fé salvífica, não vice-versa” (ibid., p. 60; cf. D. A. Carson, Divine Sovereignty and Human Responsibility: Biblical Perspectives in Tension, Atlanta: John Knox, 1981, pp. 181-182,
190).

Traduções Crédulas: A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas – I.A

A Ordem da Fé e Eleição no Evangelho de João: Vós não credes pois não sois das minhas ovelhas

Parte I – Introdução e Pano de Fundo Teológico

A. Uma Mensagem Preocupante

Quando eu era estudante num seminário no final dos anos 80, eu vividamente lembro de uma mensagem pastoral apresentada por John Piper, um notório estudioso e pastor calvinista, no qual ele fez um habilidoso e convincente uso de João 8:47, 10:26 e passagens correlatas do Evangelho de João para argumentar a favor da visão calvinista reformada da eleição incondicional particular. Naquela época, não tinha meios em minha própria mente para refutar seus argumentos. Apenas recentemente neste ponto de minha vida eu fiz a transição do calvinismo para o arminianismo, então a passagem de Piper me deixou preocupado, para dizer o mínimo. Porém, há tanta evidência independente a favor do arminianismo que eu simplesmente escamoteei o quebra-cabeça joanino em miminha mente até um momento posterior. Exposições subsequentes a tentativas arminianas de abordar as expressões de Jesus sobre a iniciativa divina no Evangelho de João, tais como as dadas por Shank, pareciam inadequadas (veja a seção C abaixo), e as questões fundamentais originalmente agitadas pela análise de Piper permaneciam.

Suspeito eu que existam outros arminianos por aí que, como eu, têm lutado com a questão de como resolver algumas das afirmações de Jesus no Evangelho de João para o pensamento arminiano. É minha esperança que neste presente ensaio eles possam encontrar uma resposta racional e hermeneuticamente confiável a esta questão. Este ensaio intenciona servir como um acompanhamento ao meu ensaio prévio “Eleição em Romanos Capítulo Nove” e um ensaio planejado para o futuro “Eleição em Efésios Capítulo Um”, estes respresentando duas outras passagens escriturais que têm geralmente sido adotadas para prover apoio particularmente convincente para a doutrina reformada calvinista.