Traduções Crédulas: Determinismo Calvinista e o Antigo Testamento

Enfim, mais um post sobre o que não se encontra por aí: determinismo exaustivo. Eu ainda vou me perguntar porque uma tese ateísta faz tanto sucesso no meio calvinista!

Neste texto, William Birch trata de um assunto caro a todo biblicista: o fatalismo ‘bíblico’ (que alguns chamariam de determinismo, mas não tem diferença alguma, no frigir dos ovos).

Determinismo Exaustivo Calvinista e o Antigo Testamento

por William Birch

Tradução: Credulo from this WordPress Blog

“Não vejo como alguém pode ler o Antigo Testamento e não concluir que o calvinismo é correto”, foi esta a recente assertiva de um professor calvinista. Por “calvinismo” ele quis dizer a noção do pré-determinismo exaustivo divino de todas as coisas por decreto.

Este professor estava apenas sendo consistente e honesto acerca de suas próprias crenças. Ele não fez nada errado moral ou eticamente ao proferir tal sentença a seus estudantes. Minha única esperança é que seus estudantes não tomem suas palavras imediatamente mas estudem, como bons bereanos, por si mesmos (consultando ideias e exegeses opostas) examinem as escrituras todos os dias para verificar se o que o professor dizia é verdade (At 17:11).

Este professor estava defendendo também uma confissão de quase quatro séculos: “Deus, de toda a eternidade, fez pelo mais sábio e santo conselho de Sua própria vontade, livre e imutavelmente ordenou tudo que venha a acontecer; ainda assim, soberanamente, enquanto nem Deus seja autor do pecado, nem violada é a vontade da criatura; nem é a liberdade ou contingência das causas secundárias excluídas, mas de fato estabelecidas”[1]

Dada a assertiva acima, então perguntamos “De que maneira Deus preordenou todo que venha a ocorrer – por presciência do que as criaturas livres deveriam fazer?” A Confissão responde: “Ainda que Deus saiba tudo que vai acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, ele não decretou nada porque Ele previra o futuro, ou porque ele saberia o que ocorreria em tais condições”[2]. Então, tudo o que vem a acontecer ocorre porque Deus predestinou cada evento que venha a ocorrer. E quando criaturas agem de uma determinada maneira, elas o fazem “livremente” pelo decreto preordenado de Deus. Deus preordenou aquilo que elas deveriam fazer; elas o fariam “livremente” e seriam tidas por responsáveis pelo que “livremente” fizeram (apesar de ter sido Deus quem determinou o que elas deveriam fazer “livremente”).

Agora, de acordo com este professor e todos os calvinistas, isto é afirmado no Antigo Testamento tantas vezes que alguém poderia se perguntar como é possível alguém lê-lo e não concluir que o calvinismo é verdadeiro. Se isto for verdade, então há certas ideias, conclusões, afirmações consistentes que não devem aparecer nas páginas do Antigo Testamento. Lembrando que todos os eventos foram estritamente preordenados por decreto, não por presciência de atos livres futuros, mas por determinismo exaustivo do plano de Deus, note estas palavras do profeta Jeremias:

[5] assim diz o Senhor: Que injustiça acharam em mim vossos pais, para se afastarem de mim, indo após a vaidade, e tornando-se levianos?
[6] Eles não perguntaram: Onde está o Senhor, que nos fez subir da terra do Egito? que nos enviou através do deserto, por uma terra de charnecas e de covas, por uma terra de sequidão e densas trevas, por uma terra em que ninguém transitava, nem morava?
[7] E eu vos introduzi numa terra fértil, para comerdes o seu fruto e o seu bem; mas quando nela entrastes, contaminastes a minha terra, e da minha herança fizestes uma abominação.
[8] Os sacerdotes não disseram: Onde está o Senhor? E os que tratavam da lei não me conheceram, e os goveenadores prevaricaram contra mim, e os profetas profetizaram por Baal, e andaram após o que é de nenhum proveito.
[9] Portanto ainda contenderei convosco, diz o Senhor; e até com os filhos de vossos filhos contenderei. {Jeremias 2:5-9 Almeida Recebida}

Mas se Deus “imutavelmente ordenou tudo o que venha a acontecer”, então porque o SENHOR está reclamando sobre a infidelidade de Israel? Sim, Ele deve ter preordenado a infidelidade se “imutavelmente ordenou tudo o que venha a acontecer”. Não é o SENHOR O Soberano? Pode qualquer pessoa ou grupo fazer qualquer coisa que o SENHOR não tenha preordenado a elas fazer? Portanto se israel era infiel, foi por causa da pré-ordenança de Deus.

E mesmo assim vemos o SENHOR declarando:

[13] Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas.
[14] Acaso é Israel um servo? E ele um escravo nascido em casa? Por que, pois, veio a ser presa?
[15] Os leões novos rugiram sobre ele, e levantaram a sua voz; e fizeram da terra dele uma desolação; as suas cidades se queimaram, e ninguém habita nelas.
[16] Até os filhos de Mênfis e de Tapanes te quebraram o alto da cabeça.
[17] Porventura não trouxeste isso sobre ti mesmo, deixando o Senhor teu Deus no tempo em que ele te guiava pelo caminho? {Jeremias 2:13-17 Almeida Recebida}

Mesmo o próprio SENHOR confessou que a razão pela qual Ele agiu de tal forma com Israel foi devido à sua própria obstinação e infidelidade – exceto se admitir-se que foi Deus que preordenou esta infidelidade para que pudesse puni-los pelos pecados que Ele preordenou que cometessem. Mas sim, é exatamente isto que o calvinismo ensina. Deus não pré-conhecia a infidelidade de Israel e portanto decreta o que venha a ocorrer. Não, para que seja considerado soberano (na ótica calvinista), Deus deve preordenar todas as coisas via decreto, e não via presciência.

Algo que se deve perguntar: o que é rebelião, exatamente? Pois se os israelitas foram rebeldes contra o SENHOR, então significa que eles foram rebeldes contra um comando que Deus ordenara. Se Deus é soberano, da maneira que os calvinistas defendem soberania, então ninguém pode sequer desobedecer o plano preordenado de Deus – o que por necessidade deve incluir a rebelião. Pela sua rebelião, eles estavam de fato obedecendo “livremente” o decreto estrito e preordenado de Deus.

Mesmo assim, encontramos o próprio Deus admitindo que seres humanos são capazes de rejeitar Sua autoridade. O SENHOR diz: “Já há muito quebraste o teu jugo, e rompeste as tuas ataduras, e disseste: Não servirei: Pois em todo outeiro alto e debaixo de toda árvore frondosa te deitaste, fazendo-te prostituta.“{Jr 2:20 AR} (veja Jr 2:29). Mas como podem os israelitas rejeitarem a soberania e autoridade de Deus? Como eles puderam se recusar a se sujeitarem a Ele, desde que Ele estritamente preordenou todas as coisas que ocorreriam? Deus (alegadamente) preordenou sua rebelião, que eles (alegadamente) cometeram “livremente”, e então Deus os puniu por isto.

Mas mesmo a punição divina pelos pecados não resultou em seu arrependimento: “Em vão castiguei os vossos filhos; eles não aceitaram a correção; a vossa espada devorou os vossos profetas como um leão destruidor.“{Jr 2:30 AR}. Responder à correção? Mas o calvinismo ensina que Deus soberanamente oferece arrependimento a quem Lhe apraz. Como Deus pode reclamar acerca de sua falta e arrependimento quando Ele não lhes ofereceu arrependimento (nem preordenou isto)?

O que descobrimos é que Deus se fez vulnerável a Israel: “Nos altos escalvados se ouve uma voz, o pranto e as súplicas dos filhos de Israel; porque perverteram o seu caminho, e se esqueceram do Senhor seu Deus.
[22] Voltai, ó filhos infiéis, eu curarei a vossa infidelidade. Responderam eles: Eis-nos aqui, vimos a ti, porque tu és o Senhor nosso Deus.
“{Jr 3:21-22 AR}. Mas Deus genuinamente lhes ofereceu arrependimento?

Sim, o SENHOR tem isto a dizer ao povo de Judá e Jerusalém: “ Porque assim diz o Senhor aos homens de Judá e a Jerusalém: Lavrai o vosso terreno alqueivado, e não semeeis entre espinhos. Circuncidai-vos ao Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração, ó homens de Judá e habitadores de Jerusalém, para que a minha indignação não venha a sair como fogo, e arda de modo que ninguém o possa apagar, por causa da maldade das vossas obras.“{Jr 4:3-4 AR}

Deus é soberano? Sim, Deus é completamente soberano. Ele preordenou o que cada pessoa faria a partir de um mero decreto? Não, definitivamente não. Se fosse o caso, então, como o Novo Testamento declara, Deus certamente seria esquizofrênico – preordenando que certa pessoa se rebelasse contra Ele e então reclamando e punindo tal pessoa por obedecer Seu decreto de rebelar-se contra Ele.

E Deus de modo algum termina sua reclamação: “Lava teu coração da maldade para que sejas salva; ó Jerusalém! Até quando deixarás os teus meus pensamentos permanecerem em meio a ti?“{Jeremias 4:14 BLIVRE}. O calvinismo deve responder: enquanto o decreto de Deus já tem isto preordenado.

Por que Deus puniu Israel? “E quando disserdes: Por que nos fez o Senhor nosso Deus todas estas coisas? então lhes dirás: Como vós me deixastes, e servistes deuses estranhos na vossa terra, assim servireis estrangeiros, em terra que não e vossa.“{Jr 5:19 AR}. Por que eles simplesmente não obedeceram o que Deus preordenou? “Mas este povo é de coração obstinado e rebelde; rebelaram-se e foram-se.“{Jr 5:23 AR}.

Viraram-se e foram embora? Tomaram seu próprio caminho? Então eles não seguiram o caminho do SENHOR mas o seu próprio? Isto significa, então, que havia dois caminhos: o caminho da retidão e obediência do SENHOR, ou o próprio caminho de desobediência e injustiça? “Engordaram-se, estão nédios; também excedem o limite da maldade; não julgam com justiça a causa dos órfãos para que prospere, nem defendem o direito dos necessitados. Acaso não hei de trazer o castigo por causa destas coisas? diz o senhor; ou não hei de vingar-me de uma nação como esta?“{Jr 5:28-29 AR} “Assim diz o Senhor: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas almas. Mas eles disseram: Não andaremos nele.“{Jr 6:16 AR}

O calvinismo nos faz crer que Deus preordenou por decreto que os israelitas “livremente” rebelassem contra o SENHOR (e que eles não tinham outra escolha além de se rebelar), enquanto o SENHOR esperou e comandou-os a escolher o caminho da justiça. Mais especificamente, calvinistas nos fazem crer que “Deus influencia os desejos e decisões das pessoas… mas devemos lembrar em todas essas passagens é bem claro que a Escritura em ponto algum mostra Deus como fazendo algo diretamente alguma coisa maligna, mas de fato trazendo as más ações por meio das ações livres das criaturas morais”[3]

Mas a questão pedindo para ser feita é: como um agente “livre” faz “livremente” algo que Deus preordenou que ele fizesse? Como Deus pode garantir que um agente “livre” irá “livremente” decidir fazer aquilo que Ele preordenou, exceto se Ele eliminar todas as escolhas, garantindo portanto o resultado que Ele decretou? E se Deus elimina todas as escolhas, para que o agente “livre” faça “livremente” aquilo que Deus decretou, então o agente não é “livre” para escolher o contrário de qualquer maneira. Então a liberdade “genuína” é uma farsa.

Arminianos não precisam se valer de filosofia como muleta: a Escritura suporta claramente a teologia arminiana – ou melhor, a teologia arminiana afirma a verdade da Escritura. Deus dissera aos israelitas: “Veja, eu coloquei diante de vós neste dia vida e bem, morte e mal[…] Eu chamo céus e terra para lembrar deste dia contra vós, que eu coloquei diante de vós vida e morte, bênção e maldição: portanto, escolham a vida, para que vós e vossa semente vivam“{Deuteronômio 30:15,19 King James} (confira Jr 6:16, 7:3-7). Por que Deus iria oferecer aos israelitas tais escolhas se Ele já preordenou via decreto aquilo que Ele predeterminou que eles escolheriam? Quão injusto seria Deus por preordenar que uma pessoa deva “livremente” escolher a rebelião, quando tal pessoa não tem outra escolha além de se rebelar contra Ele? E quão irracional seria Deus por então reclamar e punir a pessoa que segue aquilo que Ele imutavelmente e predeterminadamente decretou para esta pessoa fazer?

Não seja enganado pelo pensamento que arminianos negam a soberania de Deus. Nada pode estar mais distante da verdade. O que arminianos negam é a insistência calvinista errônea e filosófica que Deus exaustivamente determina tudo que venha a ocorrer meramente a partir de um decreto divino. Fazemos isto porque a Bíblia não ensina tal coisa.

Deus certamente irá cumprir todas as coisas de acordo com o conselho de sua vontade (Ef 1:11). Mas não nos é permitido ir além e afirmar que Deus decretou todas as coisas, não pela presciência das ações livres mas de acordo com o Seu próprio conselho e vontade. Ele disse a Israel: “Porque os filhos de Judá fizeram o que era mau aos meus olhos, diz o Senhor; puseram as suas abominações na casa que se chama pelo meu nome, para a contaminarem.“{Jr 7:30 AR}. Eles chegaram até mesmo a sacrificar seus filhos no fogo em nome de deuses falsos. O SENHOR respondeu: “E edificaram os altos de Tofete, que está no Vale do filho de Hinom, para queimarem no fogo a seus filhos e a suas filhas, o que nunca ordenei, nem me veio à mente.“{Jr 7:31 AR} (confira Jr 19:5). E ainda assim eles fizeram isto! Como? Pelo decreto predeterminado de Deus ou por sua própria malignidade? Arminianos afirmam a última, a resposta bíblica, enquanto calvinistas ficam com a primeira, errônea.

O Antigo Testamento chega a afirmar que algumas das intenções de Deus não vieram a se realizar, apesar da propaganda calvinista contrária. O SENHOR disse: “Pois, assim como se liga o cinto aos lombos do homem, assim eu liguei a mim toda a casa de Israel, e toda a casa de Judá, diz o Senhor, para me serem por povo, e por nome, e por louvor, e por glória; mas não quiseram ouvir:“{Jr 13:11 AR}.

O profeta Isaías confessou a mesma coisa acerca de DEUS construindo a Sua vinha: “Que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? e por que, esperando eu que desse uvas, veio a produzir uvas bravas?“{Is 5:4 AR}

Não vejo como alguém pode ler o Antigo Testamento e não concluir que o arminianismo está correto e o calvinismo errado.

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1 The Westminster Confession of Faith, in The Life in the Spirit Study Bible, ed. Richard L. Pratt, Jr. (Grand Rapids: Zondervan, 2003), 3.1:2176.

2 Ibid.

3 Wayne A. Grudem, Bible Doctrine: Essential Teachings of the Christian Faith, ed. Jeff Purswell (Grand Rapids: Zondervan, 1999), 146-47.

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